O encontro com o Mestre Iogue

O encontro com o Mestre Iogue

No capítulo 3 de “Ouvindo as Estrelas” é narrado o encontro com Mestre Iogue, que compartilha com Ferhélin ensinamentos sobre o ritmo, sobre meditação, sobre a experiência angelical, sobre os relacionamentos e – duas coisas que ela nunca esqueceu: o canal da imagem congelada e sobre as atitudes-avestruz.

ouvindo as estrelas - livro

“Ritmo!
Esta é a palavra-chave.
Cada pessoa possui um ritmo que é mais natural para ela.”

O refeitório do alojamento não era grande. Na verdade, era uma sala, com a cozinha separada por um balcão, onde os hóspedes deixavam seus alimentos e utensílios. No meio de uma das paredes laterais, havia uma lareira, que permanecia acesa nos horários de refeições e à noite. Ao redor da lareira, havia várias poltronas. Próximo à parede oposta, havia uma mesa comprida que podia acomodar cerca de umas dezesseis pessoas. Na parede, havia um grande mapa com as trilhas para as montanhas e lagos da região. Ferhélin olhou este mapa pensando nas opções para o que fazer no outro dia.

Ao amanhecer, Ferhélin deixou o chalé onde havia dormido e foi até o refeitório do alojamento.
Ela estava preparando seu café matinal, quando observou um senhor, envolto em um xale cor creme, próximo à lareira, sentado no sofá, com uma xícara de chá nas mãos. Era um indiano, imaginou.
Após o café, dirigiu-se a uma poltrona, à esquerda da lareira, onde sentou-se. Ao se aproximar do senhor, ela o cumprimentou com um bom dia e se apresentaram.
Ele era um Mestre Iogue vindo de Madhuban2 — a floresta de mel — como ele disse.

Após alguns momentos de silêncio, ele, tomando seu chá, e ela, apenas aquecendo-se próximo à lareira, voltaram a conversar.
Ele quis saber se ela teria alguma sugestão de um local especial para visitar na região.
Ferhélin comentou sobre algumas opções que havia visto no mapa e que, pelo que tinha observado na sua chegada no final da tarde do dia anterior, o visual parecia maravilhoso em qualquer cenário por ali, mas em especial havia uma antiga ponte e algumas trilhas pelas montanhas.

A sensação que teve ao encontrar aquele Mestre Iogue foi de que não era por acaso que ele estava ali. O sentimento em relação a ele era de grande proximidade. Ela não sabia explicar, apenas sentia. Parecia um velho conhecido.
Ao levantar-se, comentou que, em poucos minutos, sairia para uma caminhada pela trilha que passava pela ponte. Caso ele desejasse acompanhá-la…

Logo mais, lá estavam eles, descendo pela trilha que era cercada por altas árvores. A umidade era visível nas folhas e no solo. Conforme desciam, o sol ia se apresentando, e a claridade aumentando. Podiam ouvir o som de água corrente. É o rio, pensou ela.

Durante a descida, eles permaneceram em silêncio. Ferhélin à frente, e ele logo atrás, seguindo-a.
Quando já se aproximavam da ponte, o Mestre Iogue disse:
— Posso perguntar em que está pensando?

Ferhélin, com seu jeito afetuoso e amigável — característica dos brasileiros, como lhe disse o mestre depois, — fitou-o nos olhos por alguns instantes e respondeu:
— Sabe, algumas vezes temos experiências tão bonitas, foi o que aconteceu comigo ontem aqui.
O Iogue apenas sorriu, aguardando que ela continuasse.
— Mas, outras vezes, tudo parece confuso, e parece que perdemos a esperança. Então o tempo passa, e voltamos ao “normal”, tudo clareia novamente. É complicado entender este processo. Não é muito claro para mim como isto acontece — disse ela.

Quando viram, estavam sobre a ponte, o Mestre Iogue admirava a paisagem. Ferhélin relembrava a experiência singular do dia anterior naquele mesmo cenário.
— Se observar, verá que tudo é questão de perspectiva. Nossa atitude mental também está sujeita a mudanças, como tudo na vida.
— Há um aspecto que tenho “realizado” — disse ele naquele sotaque indiano e em uma linguagem diferente para ela.
— “Realizado”? Ela lembra de ter pensado consigo mesma: ‘O que ele quis dizer com isto?’

Ao que ele continuou: — O que tenho observado é que os sentimentos de confusão, de falta de esperança e de horizonte surgem quando baixamos o nosso nível mental. Acontece que estreitamos o horizonte de nossas mentes, e nossa visão se encurta, tornando-se, algumas vezes, mesquinha e egoísta. Perdemos o senso do conjunto; nosso horizonte se encolhe e perdemos o foco. Junto com o foco, perdemos nossa capacidade de perceber o todo e manifestar o que deveríamos sentir naquele momento.

Se mantivéssemos nosso horizonte mais amplo e não restrito a situações de momento ou a objetivos que dizem respeito apenas a nós mesmos, perceberíamos como o conjunto dos fatores que existem na vida é algo tão maravilhoso e, ao nos permitirmos essa percepção, novas perspectivas e novos horizontes se apresentariam.

— Interessante. Quer dizer que o que ocorre é um erro de perspectiva de nossa parte? Deixe-me ver: quando ficamos em “baixo astral”, estreitamos o horizonte à nossa frente e encurtamos a maneira de enxergar. Fazendo isso, o que enxergamos são os problemas e as dificuldades ao nosso redor, o que acaba reforçando a mesquinhez e o egoísmo. É isso? — sintetizou, olhando para o Mestre Ioguee aguardando sua resposta.

— É por aí — ele respondeu, enquanto continuavam a andar. —Isto pode surgir por influências externas também. Supervalorizando a opinião ou algo que alguém nos disse. Ou ainda, através de algo que veio da mídia que, não raras vezes, comete exageros ao apresentar alguma notícia ou assunto. Pode também acontecer de acordo com nossos momentos pessoais. No fundo, é uma questão de sintonia. O fato é que nos sintonizamos com algo que nos coloca para “baixo”.

Ferhélin lembrou-se de seu diálogo com a Garota Montanhesa. O aspecto da correspondência e de que “a beleza está nos olhos de quem a vê” veio à sua mente.

— Algumas vezes, estamos no alto de uma enorme montanha. De lá, nossos olhos podem enxergar ao longe, até o limite de não mais poder ver com nitidez. O que acontece é que, mesmo estando lá no topo, algumas vezes, nós escolhemos baixar nossas cabeças e isso não apenas fisicamente – algumas vezes deixamos preocupações ou pensamentos inúteis tomarem conta de nossas mentes e nos esquecemos de que o horizonte existe. Perdemos nossa capacidade de ver – nosso foco simplesmente desaparece, como se não houvessem perspectivas.
É o que chamo de atitude-avestruz. É uma escolha da pessoa, consciente ou não — disse o mestre, olhando para o topo da montanha à frente deles.

— Como fazer para evitar isso? — perguntou Ferhélin.
— Como seres humanos, não é possível evitar completamente. Não neste momento da história — afirmou o mestre.
— Mas será que esta deveria ser a questão? Evitar. Por que deveríamos evitar?
Em minha jornada, encontrei uma Mestra Iogue que nunca esquecerei — seu propósito de vida era o de inspirar felicidade às pessoas.

Os olhos de Ferhélin brilharam e lembrou-se da sua experiência com qualidades e qualidade-locomotiva. Felicidade tinha sido sua qualidade motriz percebida durante a experiência com a Garota Montanhesa . Estava experimentando felicidade naquele momento? —questionou-se. — Sim e muita! — afirmou a si mesma.

Ao que o Mestre Iogue prosseguiu: — Essa mestra, com mais de sessenta anos de experiência, praticando Raja-Yoga3, tem muito claro seu papel no mundo. Ela não se vê julgando as pessoas ou detectando defeito nelas. É muito sábia e observadora. A perspectiva clara de seu papel no mundo a guia em suas ações.

É uma pessoa com um grau de responsabilidade imenso, a principal responsável por uma organização internacional filiada às Nações Unidas que se dedica a levar o benefício às pessoas através do mundo. Diariamente, enfrenta problemas e situações conflitantes. Se você conhecê-la, não entenderá como lida com tantas responsabilidades e permanece tão leve e feliz. Seu contentamento é contagiante.

Gostaria de saber o que há de especial sobre ela?
— Sim — respondeu Ferhélin, interessada em saber mais sobre manter a felicidade num mundo tão instável.

— Por anos, eu tive a oportunidade de observá-la e aprender com ela. Nunca me esquecerei de uma explicação simples que ela deu. Uma pessoa, que estava visitando a organização que ela dirige, perguntou-lhe como ela sabia se estava fazendo progressos ou não em sua vida.

Sua resposta foi simples: — Vivemos situações que podemos entender como obstáculos. Eles sempre aparecem, podendo vir de tempos em tempos, ou em sequência, em roupagens diferentes, mas alguns sempre repetem um padrão. Eu sinto que estou fazendo progressos em minha vida espiritual quando percebo que os obstáculos, que anteriormente costumavam criar perturbações em meu estágio mental por certo tempo, começam a me perturbar menos e menos, até chegar ao ponto de não mais me incomodarem. Estas perturbações, em um nível mais sutil, podem ser pensamentos inúteis, pensamentos negativos ou pensamentos desnecessários. Em um grau um pouco mais grosseiro, estas perturbações podem ser expressas através de palavras e, em um nível ainda mais grosseiro, através das ações. O obstáculo pode não ter desaparecido ou deixado de existir, mas eu sinto que estou progredindo espiritualmente quando não mais me sinto afetada por ele como antes. Assim eu conservo minha caminhada espiritual, observando meu próprio estágio.

O visitante, então, perguntou como agir desta forma.
— Quando algo me afeta, eu entrego a energia do problema ao oceano de luz de Deus. Tento perceber como Ele quer que eu me prepare de modo a não ser afetada por aquela situação. Após fazer isto, eu me desconecto do problema e fico atenta para colocar em prática o que me veio à mente na conversa com Deus.

— Você percebe? Em momento algum, ela mencionou o fato de evitar os obstáculos, as situações problemas, ou como quiser chamá-los. Eles podem continuar a existir. Muitas vezes, não há como evitá-los, mas o que ocorre é que, conforme a sua perspectiva e amadurecimento espiritual, eles não mais a afetam. A ponto de você, a partir de algum momento em sua vida, não mais percebê-los.

Mas Ferhélin tinha mais a esclarecer:
— Quando você não tem como ignorar os problemas ou a convivência com pessoas com quem você não se dá bem, você lê um jornal, assiste à TV, e lá estão os problemas, de novo e de novo. Como ignorar isso?

— Ignorar, será esta a ação correta? — perguntou o mestre.

— Novamente lembro-lhe da sintonia. Com o que sintonizamos? Sua perspectiva é, em muito, alimentada pela fonte com a qual você está sintonizada. Assistir a uma partida de tênis é uma coisa, ir a um balé é bem diferente. As possibilidades de correspondência são diferentes. Não há o certo ou o errado. O que importa é que sua escolha seja proveitosa.

Há algo que é fundamental: a possibilidade de escolher! Nós temos este preceito básico sobre nossas vidas no planeta, o livre-arbítrio.

O tempo começava a mudar. Em vez do sol que timidamente havia começado a se mostrar, agora havia alguns pingos, não muitos, mas eles começaram a sentir chuva gelada caindo. A neblina envolvia todo o vale, e as montanhas ao redor pareciam estar em meio às nuvens. O cenário tinha mudado, mas continuava belíssimo – de uma outra forma .

A montanha era a mesma, mas mudanças ali se faziam presentes. Ferhélin recordava as primeiras palavras do Mestre Yogue: “Tudo está sempre sujeito a mudanças”.

Ao fundo do vale, agora envolvido em neblina, um arco-íris timidamente se apresentava dando cores àquele belo cenário.
— Devemos voltar? Perguntou Ferhélin.

O Mestre Iogue parecia apreciar aquele cenário enevoado.
— Voltar? Você já pensou o que significa voltar? — perguntou o mestre, sorrindo para ela.

Ferhélin o olhou curiosa, aguardando o que ele diria a seguir.
— Creio que, na vida, sempre nos movemos para frente, o tempo sempre segue adiante, ele não volta nunca. Penso que sempre seguimos adiante, nunca voltamos. Assim, se escolhermos seguir até o alojamento, sugiro que usemos a expressão: vamos para o alojamento! Concorda?

Ela sorriu e disse:
— Então, acha bom irmos para o alojamento? É uma escolha, não é mesmo?
Podemos fazer o futuro de diversas maneiras, indo ou permanecendo. O livre-arbítrio é uma dádiva à humanidade, mas também uma grande responsabilidade. Escolho nos acolhermos sob as árvores e aguardar, o que você acha? — indagou o Mestre Yogue.
— Está bem — concordou Ferhélin.

Assim, recolhidos debaixo de uma árvore que os protegia da chuva, eles se sentaram em um tronco e ficaram a apreciar o ambiente que os cercava, continuando aquele diálogo.

Ferhélin lembrava-se de Einstein, que dissera certa vez que “nunca era possível estar em um mesmo lugar duas vezes”. Ele havia feito essa afirmação baseando-se no simples fato de o nosso planeta estar sempre se movendo. Nunca seria possível “voltar” a algum lugar em que a pessoa estivera antes, pois aquele local estaria em uma posição diferente, momentos depois, devido à movimentação planetária.

Eles permaneciam em silêncio, quando após um certo tempo, o mestre Iogue comentou: — O livre-arbítrio tem um fundamento simples: você escolhe com o que sintonizar. Como na tevê, onde há muitos canais, e você pode escolher! Yoga, literalmente, significa conexão, no sentido de ligação. Sempre estabelecemos yoga com algo ou alguém. Na vida, você pode escolher diferentes caminhos.

— Mas como agir quando você trabalha com alguém que o perturba? — perguntou Ferhélin.

Após alguns segundos em silêncio – com que pensando no que falaria, o Mestre Iogue se manifestou: — Digamos que uma pessoa leve você sempre para baixo, e vocês trabalham juntas, então parece não haver escolha. É isto, certo? Pense sob este outro prisma: mesmo com as pessoas, podemos nos relacionar em diferentes canais. O canal do respeito é um. O da desconfiança é outro. E há vários outros. Há um que é muito escolhido: é o canal da imagem congelada. Quando escolhido, não importa o que a outra pessoa faça, você sempre a vê do mesmo modo.

Alguns casos vieram à mente de Ferhélin. Interessante, pensou.

— Procurar sintonizar o canal mais adequado, exige algum esforço, mas é algo que nos leva a condições de menor desgaste — complementou o mestre.

Como posso perceber o canal ideal para me relacionar com as pessoas? — perguntou Ferhélin.

O mestre a olhou enquanto gesticulava com uma varinha que havia encontrado no chão.

Observando seus gestos com a varinha, que lembrava um maestro regendo sua orquestra, Ferhélin escutou as frases do Mestre Yogue:

— Percebendo seu ritmo — ele respondeu. — Ritmo! Esta é a palavra-chave.

Cada pessoa possui um ritmo que é mais natural para ela. Geralmente, a maior parte das pessoas consideradas “problema” perderam seu ritmo ou estão longe dele. Se você estiver em seu ritmo, na sua frequência natural, terá grandes chances de perceber o ritmo “ideal” das outras pessoas.

Você pode não mudar a outra pessoa, mas pode inspirá-la a sintonizar-se com ritmos mais próximos aos que fazem bem para ela. Ao procurar fazer isso numa relação, você estará escolhendo regenerar aquele relacionamento; ao invés de manter a imagem congelada da pessoa na sua tela mental – o que só causaria mais desgastes a ambos, a você e à outra pessoa.

Em outras palavras, estará escolhendo sintonizar um canal que é dinâmico e atualizado – não imagens antigas ou de reprises. Você estará propiciando a chance de novas imagens se apresentarem e isso fará bem a ambos – tanto a você quanto à outra pessoa.

Ferhélin lembrou-se do conceito de frequência natural da Física, segundo o qual cada elemento da natureza tem uma frequência própria.

A chuva diminuía, e eles retornaram à trilha para prosseguir a caminhada pela montanha. Ferhélin sentia-se como em companhia dos dois, do Mestre Iogue da montanha que a acolhia. A montanha e suas belezas incógnitas continham mensagens aos que queriam ouvi-las, lembrou Ferhélin.

Durante boa parte caminhada, o silêncio se fazia companheiro habitual para os dois. Havia uma relativa sintonia entre os dois caminhantes – mesmo quando estavam em silêncio.

Após longa pausa, afirmou Ferhélin: — É, isso me relaciona à ressonância.

O mestre indagou Ferhélin sobre o que ela queria dizer.

Ao que ela esclareceu:
— É um fenômeno natural, estudado pela Física, onde duas ou mais ondas passam a ressonar na mesma freqüência, resultando em uma sintonia comum às duas ondas, que passam a vibrar em uma mesma frequência.
A questão é: como chegar a isso, quando se trata de pessoas?

O Mestre Iogue, caminhando ao seu lado, olhou-a nos olhos e disse:
— Começa com conhecer-se a si mesmo. Você tem que perceber, conhecer e passar a respeitar seu ritmo natural.

O silêncio da natureza os envolvia e inspirava Ferhélin, que acabou por relacionar esta informação com a importância de saber sobre sua qualidade-locomotiva.

Ritmo e qualidade-locomotiva! Um aspecto reforçava o outro. Quando um se agrega ao outro, há uma integração natural entre estes atributos e funciona como um propulsor natural na vida da pessoa.

Como você faz para reconhecer seu ritmo? — indagou Ferhélin.

— Cada pessoa deverá identificar o melhor jeito para si própria. Respondeu o mestre Iogue. No meu caso, a prática do Raja-Yoga é vital neste processo. Através desta prática, diariamente, eu exercito quatro aspectos essenciais:
Yoga, que possibilita aproximar-me de mim mesmo e de Deus através da meditação;
Gyan, que pode ser entendido como o conhecimento. Onde a reflexão experimental e não apenas intelectual me possibilitam mergulhar profundamente no oceano do conhecimento;
Seva, que me ajuda a traduzir tudo em “servir” e levar benefícios às pessoas e à natureza e;

Dharna, que pode ser entendido basicamente como comportamento. Esta prática me possibilita exercitar ações comuns em um estado elevado de consciência.

Certamente muito estudo e dedicação são necessários para atingir este estado, não é mesmo? — comentou Ferhélin.

— Esses quatro enfoques fazem parte de meu dia a dia, e constituem um exemplo pessoal de como desenvolver o autoconhecimento. O importante é você saber que seu ritmo natural existe e está em você — complementou o Mestre Yogue.

Mas como é esta parte do yoga? —indagou Ferhélin.
O Mestre Iogue convidou-a para sentar-se por instantes. Eles procuraram um local à beira do rio, sobre as pedras.

— Vou tentar sintetizar para você. Tudo no Raja-Yoga está interconectado. O conhecimento é a base, mas há as outras práticas que citei.

Eu sou um ser consciente e minha natureza é paz

Na meditação Raja-Yoga, existem basicamente três tipos de atitudes:
A primeira é você com você mesma. É quando há a experiência de paz interior, de experimentar relaxamento e sentir-se luz. É a experiência que se resume na frase “Om Shanti”. “Omsignifica o ser consciente, a alma, o espírito e “Shantisignifica paz. Nesse primeiro estágio da meditação, você vive a experiência: Eu sou um ser consciente e minha natureza é paz. Eu sou paz. Eu sou luz.
Em síntese, é o que você experimenta neste primeiro nível.

Ferhélin procurava seguir as palavras do mestre, experimentando-se como um ser de luz em paz.

Experiência angelical – estado Avyakti

Um segundo nível de prática é a experiência angelical. É denominada Avyakti (em hindi), que é a experiência em uma outra dimensão de luz, como um mundo angélico, onde você se experimenta em seu corpo de luz. É um mundo onde tudo é luz ou energia luminosa e engloba a experiência double-light4: leve e luminosa.

Parandham ou Nirvana

Um terceiro nível é a experiência em Parandham ou Nirvana, que é uma experiência mais profunda e que requer maior dedicação. É a experiência em outra dimensão de luz, de um vermelho dourado, e, nela, você se experimenta na sua forma original, como uma semente de luz. Pode ser entendida como uma experiência em nosso lar original.

Para experimentar esse estágio, chamado também de estágio da semente, você pode visualizar-se como uma estrela de luz, brilhando em um oceano de luz, no qual você pode ter um encontro com Deus, como o Sol espiritual. Você em sua forma de estrela luminosa, leve e brilhante, mergulhada no oceano de luz, banhando-se na luz da Fonte de todas as qualidades, Deus. Como se tomasse um banho de Sol, no nível espiritual.

Ferhélin procurava sentir-se naquele mundo de luz, permanecendo em silêncio por algum tempo.

— Bom, acho que deveríamos seguir para o alojamento, você concorda? — perguntou o Mestre Yogue.

Durante o passeio, eles haviam bebido água e comido as frutas que levaram com eles, mas o mestre sentia que era hora de retornar.
— Até quando permanecerá aqui? — perguntou o mestre.
— Até depois de amanhã — respondeu Ferhélin.
— Bem, eu seguirei amanhã à tarde — falou o mestre.
— Amanhã cedo poderíamos caminhar novamente, o que acha? perguntouFerhélin.
— Sim — respondeu o mestre, enquanto caminhavam rumo à ponte.

Minutos depois, começaram a subir a trilha que ficara para trás pela manhã.
Ao chegar ao alojamento, despediram-se e se recolheram.
Eles não mais se veriam naquele dia.

Na madrugada seguinte, Ferhélin bebericava seu chá, sentada próxima à lareira. Relâmpagos e trovões a acordaram, e ela decidiu ir ao refeitório.

Ao som da chuva, refletia sobre suas primeiras experiências nas Rochosas. Em sua mente, recebia a visita de Fernando Pessoa: “Para ser completo, SÊ inteiro, nada teu exagera ou exclui”. Quão grandiosos são os poetas traduzindo vida em palavras, pensava ela.

A magnitude que alcançava, naqueles primeiros dias nas Rochosas, transcendia o conhecimento que tanto amava e ao qual se dedicara por anos de estudo.

Ela parecia experimentar momentos de parceria com a vida. Sentia-se sendo chamada a ver a vida sob novas perspectivas, a perceber diferentes fragrâncias que essa lhe apresentava. O som da chuva, que tanto apreciava, fazia fundo àqueles momentos na madrugada.
Aquele som era a manifestação de uma parceria que torna um momento inviolável. Assim sentia, lá sentada, sozinha e em completa harmonia, enquanto revia as anotações que fizera nas noites anteriores. Estudar e aprender eram hábitos que não deviam ser deixados de lado.

A lareira refletia a luz que vinha das chamas. Era apenas seu segundo dia nas Rochosas.

O clarão dos relâmpagos invadia o refeitório através das janelas. Os trovões, os relâmpagos e as chamas da lareira constituíam uma orquestra natural de sons e luzes.
Ela imaginava a montanha, com as árvores e as rochas participando daquele concerto da natureza.

Seu chá estava por terminar. Era hora de retornar ao quarto para dormir novamente e poder acordar a tempo de acompanhar o Mestre Iogue em mais uma caminhada pela região. A chuva parecia estar parando.

— Vou dormir, decidiu Ferhélin. Não sem antes se lembrar dos hotéis em que ficara, dos lugares e suas facilidades, nos quais as acomodações eram consideradas modernas. Raramente me senti tão parceira da vida, mesmo estando em um alojamento tão rústico, pensou, dirigindo-se ao seu quarto.

Ela acordara descansada, apesar das poucas horas de sono.
Logo estaria preparada para o dia. Após o café da manhã, separou sua garrafa de água e pegou algumas frutas para a caminhada. Ao sair, deparou-se com as árvores que cercavam o alojamento.

Era outono, e ela sentia um pouco de frio, o que a agradava. O tempo permanecia nublado. Ao fundo, as montanhas pareciam convidá-la a novas aventuras.
Saiu, deu alguns passos, abriu seus braços e respirou fundo como se estivesse abraçando a natureza.

Em seguida, encontrou o Mestre Iogue que meditava, sentado sobre o gramado que ficava de frente para a cadeia de montanhas.
Aproximou-se e sentou-se próxima a ele, não querendo interromper sua prática.

Alguns minutos depois, o mestre começou a falar suavemente:
— Agora vamos experimentar um mergulho interior. Respire profundamente… Com calma e sem pressa. Procure relaxar e soltar seu corpo. Sinta sua face e os músculos do pescoço relaxados. Experimente seu corpo como sendo de luz. Desde os pés até a cabeça. Visualize-o como um corpo de luz.

Ele parava, fazia pausas silenciosas e voltava a falar pausadamente:

— Experimente uma viagem além de tudo o que a cerca. Uma viagem através de sua consciência. Experimente-se viajando através do céu… Perceba o interior de sua consciência como luz… Ao seu redor você tem luz, muita luz… Uma luz azul esbranquiçada, aconchegante e refrescante. Você se experimenta neste oceano de luz. Seu corpo é de luz. Há brilho exalando de você, há luz penetrando e banhando seu ser. Você experimenta muita leveza, pureza e inocência de um bebê. Você percebe seu olhar emitindo luz, e um sorriso inocente nasce em você… Você experimenta o momento… Sem passado e sem futuro. Esta experiência a preenche de paz. Percebe a energia do perdão, sente a energia do amor propagando-se em seu ser e ao seu redor. Você exala amor… Sente-se como uma estrela brilhante, imersa em um oceano de luz dourado avermelhado.

Você visualiza várias outras estrelas espalhadas neste céu luminoso, um céu cor vermelho-dourado. Você sente a luz aconchegante e vitalizadora que a envolve. Ali, em meio àquele oceano luminoso, você percebe como que um sol brilhando. Este sol é como uma fonte de luz, de paz e de amor, que espalha raios por todo aquele universo luminoso. Você sente-se livre, em companhia dessa fonte de paz e percebe-se dizendo a si mesma: Sou livre!

O Mestre Iogue ficou em silêncio por minutos, deixando Ferhélin permanecer naquela experiência.

Quando percebeu que ela estava voltando, disse:
— Vá retornando, mantendo este nível de consciência, respirando lentamente e vá despertando seu corpo, abrindo seus olhos, alongando seus braços e pernas e sentindo seu corpo novamente.

Assim aconteceu o encontro entre aquelas duas pessoas tão diferentes, naquela manhã nublada, que inspirava introspecção.
Vindos de diferentes continentes, com formações totalmente distintas, eles se sentiam bem e à vontade, um com o outro.
Silêncio se fez após aquela experiência. O mestre a olhou fitando seus olhos e, sorrindo, desejou-lhe um bom dia.

Ferhélin experimentava paz e sentiu um fluxo especial de energia naquele olhar.

— Vamos exercitar o nosso veículo físico? — perguntou o mestre, referindo-se a uma nova caminhada naquele dia.
Eles se levantaram e foram em direção a uma outra trilha, que seguia em outra direção.

O verde apresentava diversas tonalidades e brilhos.
Ao caminhar por sob as árvores, ela via um universo diferente. Experimentava uma liberdade única, sentindo o frescor do ar enquanto via a copa das árvores acima.
Caminharam em silêncio, por cerca de dez minutos.
Ferhélin se dirigiu ao Mestre Yogue:
— A experiência de paz, como essa que você me conduziu, está além de filosofias, crenças e religiões, não é assim?

O mestre mostrou respeito à pergunta, refletindo por alguns momentos.
Enquanto ele permanecia silencioso, ela imaginou-se em uma das inúmeras reuniões de seu departamento na universidade. Lembrou-se de que, naquelas reuniões, não havia pausas para reflexão. Caso alguém questionasse algo, logo de imediato, respostas surgiam, e havia até mesmo disputas para conseguir falar. Ali, observando o mestre, estava aprendendo que um diálogo poderia ter pausas para reflexão. É incrível, pensou. Quase trinta anos de idade e somente agora eu percebo isto, de fato.

Após alguns instantes, enquanto continuavam sua caminhada, o mestre disse:
— O segredo mais sutil que existe é que tudo está interligado. Cada ação desempenhada afeta o planeta todo. Sabe como vejo o papel das religiões? Sinto que cada uma é um ramo de uma árvore cuja semente é uma só: Deus. Discussões sobre qual é o fruto mais importante, qual folha brilha mais ou qual galho está mais correto é algo fora do contexto do real significado da espiritualidade. No fundo, todas fazem parte de uma mesma árvore. Penso em Deus vendo certas discussões e argumentações. A energia da compaixão é a energia que sinto vindo Dele, quando penso nisso. Um aspecto fundamental, comum às religiões, filosofias e crenças, é o dos valores fundamentais. A paz é uma energia vital, assim como o amor. Estes atributos devem servir como meios para estabelecer uma convergência comum a todas as religiões, crenças e filosofias. Penso que a paz e o amor são atributos que transcendem tudo isso, pois são qualidades próprias do ser humano e de Deus.

Ferhélin observava atenta ao que ele falava e comentou:
— É verdade, quando há situações de grande instabilidade, o que vale são as atitudes, mais que tudo. O que podemos fazer nos momentos de grande dor para uma pessoa?

O mestre enfatizou:
— Sinto que a solidariedade, o respeito ou a simples companhia são instrumentos de auxílio e de real ajuda. Nesses momentos, as grandes teorias não fazem sentido. Não adianta falar muito. Pequenos gestos solidários têm um efeito muito maior. Para o planeta, funciona assim também. Em situações de grande dor e de dificuldade não é o momento de julgar. A grandeza está em, no mínimo, estender a mão em auxílio ou manifestar respeito e sinceridade. Se pensarmos um pouco, entenderemos e aceitaremos que, nesses momentos, as diferenças não fazem sentido. O que importa é o gesto de respeito, de compreensão e de entendimento. Não devemos chegar ao caos para criar laços que unem. Temos a responsabilidade de fazê-lo agora. Enquanto há tempo. Não devemos esperar o pior para, então, manifestar a solidariedade, a paz e amor. O momento é agora!

— Como podemos chegar a isto? — perguntou Ferhélin, que parecia empenhada em fazer sua parte.

— Gandhi usou uma frase interessante: “Nós devemos ser a mudança que queremos para o mundo”.
Pelo que sei, cerca de oitenta por cento da humanidade, ou mais, tem algum tipo de fé. Acredito que será possível haver um mundo ecumênico, onde as diferenças não mais serão ressaltadas. A energia de Deus é a energia do bem e da paz. A energia do desrespeito, da raiva e da violência, é energia que nasce no ego. Não tem nada a ver com Deus. Creio que quaisquer que sejam as crenças ou teorias, o foco deveria ser: colocar em prática a “essência” e não se perder em detalhes; não prestar atenção às diferenças e sim, procurar as convergências, elas existem; para tanto, praticar o que é mais sagrado para si e deixar que os outros também o façam.

— Puxa, esse é um tema muito delicado. Achei interessante sua visão — comentou Ferhélin.

— Sempre ouço que assim como há o lado bom, todo mundo também tem o lado ruim. Você entende assim? — perguntou ela.

— Penso que o escuro não existe por si, mas devido à ausência de luz. Entendo a fraqueza como sendo a ausência da qualidade, da virtude, do poder ou da manifestação da força vital.

— Mas o que é esta força vital de que você fala? — perguntou Ferhélin.

— É um tipo de força que dá vida e que resgata o ser para a vida, que alimenta o nascimento, o crescimento e a sustentação da vida. É uma energia pura que nunca se contamina e nem é excluída. É sempre vitalizadora e regeneradora. É uma energia divina — o mestre respondeu.

— Como fazer para que esta energia se manifeste, principalmente quando estamos em “baixa”? — indagou Ferhélin.

— Intuitivamente, todos os meios inovadores, que buscam melhorar a vida das pessoas, mencionam as qualidades e virtudes como fundamentos e a importância de trazê-los ao dia a dia. Por quê? Penso que a paz interior seja a mãe das virtudes e ela carrega consigo esta força vital. O amor, a felicidade e a verdade também trazem consigo esta energia que dá vida. A semente que dá a vida tem essa força. Penso que ela existe no nível sutil, mas se manifesta no físico também. Por pior que uma pessoa possa se sentir, por mais desesperançada que estiver, se for tocada por esta força vital, de algum modo, ela começará a reagir. Esta reação acontecerá no nível sutil e poderá desencadear reações de revitalização em vários níveis.

— E por que há tanta agressividade no mundo? — perguntou Ferhélin.

— O lado agressivo nasce da ausência de expressão de força vital. Quando isso acontece, há um vazio, que precisa ser preenchido por um outro tipo de força que se apresente. É uma energia que destrói, induz ao caos e usa como instrumentos o temor, a agressividade e o desconhecimento. Observe que, onde ela se manifesta, sempre há danos. A postura agressiva se desenvolve onde há insegurança. Há grande falta de clareza no entendimento da firmeza, que é uma virtude, e da agressividade, que é uma disfunção. Pode haver agressividade, mas não haverá firmeza e, por isto, o uso da violência, das ações às escondidas e das ferramentas do temor. Por mais resultados que alguém alcance através de meios “obscuros”, nunca haverá satisfação e felicidade. Haverá sempre a ausência de harmonia e equilíbrio. Um sistema fundamentado na negação de valores como a paz, o amor e a felicidade não é autossustentável e não atinge o equilíbrio nunca. A estrutura de um sistema assim tem que ser sempre fantasiada. O meio para isto é utilizar novas roupagens. Este lado obscuro somente prolifera em espaços onde não há a presença do amor, da felicidade e da paz. Estas qualidades são também poderes. Creio firmemente que, ao fortalecermos estas qualidades no planeta, tornando-as parte dos hábitos e do dia a dia das pessoas e das organizações, caminharemos para transformar a Terra em um planeta melhor que o que temos atualmente.

Ferhélin permaneceu muito pensativa após aquela conversa.

Eles continuaram a caminhar e logo chegaram a um lago completamente azul e ali permaneceram para comer e descansar um pouco.

Enquanto apreciavam os cereais e as frutas, viram um alce do outro lado do lago, que se alimentava tranquilamente. Por longo tempo, eles se divertiram observando-o, com o lago azul celeste à sua frente e as árvores ao redor.

Uma águia voava em liberdade abaixo das altas nuvens que ocupavam todo o céu.

A força vital se manifestara mais intensamente em seus corações, quando viram o animal. Isto aconteceu, pensou Ferhélin.

Algum tempo depois retornaram de sua caminhada pela trilha que os levara àquele lago, através da montanha e, então, chegaram ao alojamento.

Ao final da tarde, o Mestre Iogue partiria.
Quem sabe, eles ainda pudessem se encontrar nesta jornada pelas Rochosas? Este foi o desejo manifestado por ambos. Mas isso nunca aconteceria.

Ferhélin permaneceu em silêncio o resto da noite, ouvindo música, refletindo sobre os ensinamentos que tinha ouvido e fazendo algumas anotações.

No dia seguinte, Ferhélin se divertiu ao caminhar por outra trilha e descobriu novos locais maravilhosos que as montanhas guardavam. Dois dias depois, seguiu para uma cidade que ela viria a apreciar bastante e nunca esqueceria – Banff.

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O SENHOR BRITÂNICO E O ALINHAMENTO DO CORAÇÃO


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