Entre ciência e espiritualidade?

Entre ciência e espiritualidade?


De um lado, voavam lembranças de Bohr, Planck, Einstein, Chadwick, Heisenberg, Marie Curiee outros personagens que desenharam a história científica do século vinte com suas teorias que sempre me suscitavam questionamentos inspiradores. (Ver foto no final do texto)

De outro lado, minha mente recebia a visita de imagens que mostravam como Descartes, Galileu, Newton e outros fizeram algo muito similar no século XVII.

Entre os dois grupos havia algo em comum: ambos foram pioneiros.
Ambos visualizaram e desenharam o mapa com caminhos que, depois, a população do planeta percorreria.

Quando aqueles pioneiros que habitavam os anos 1600 começaram a tornar público os seus pensamentos, estudos e descobertas científicas. Eles viviam num mundo praticamente agrícola e havia uma onda de opressão que aniquilou muitas mentes brilhantes, como Giordano Bruno, que foi parar na fogueira, por exemplo. O contexto não era nada favorável, mas a ‘onda’ de renovação se fazia presente e seguiu seu fluxo, mesmo com obstáculos à frente.

Bem, saídos de uma época bastante amarga para a humanidade, eles não deixaram de acreditar no que faziam e suas visões e persistência impulsionaram o conhecimento com uma nova visão do mundo, eles traziam luz para a época; mesmo que a população mundial, com pouco mais de 500 milhões de pessoas no planeta, ainda não estivesse pronta para assimilar, de imediato, tudo o que eles haviam apresentado.
A visão cartesiana, o mecanicismo clássico e outros princípios – grandes novidades naqueles tempos, somente começaram a se tornar parte do dia a dia das pessoas comuns, mais de cem anos após seu surgimento. Interessante, não?

Nos limiares entre a segunda metade do século XVII e meados do século XVIII, com a população mundial rumando ao primeiro bilhão de pessoas em nosso planeta, haveria a revolução industrial, responsável por várias mudanças que podem ser elencadas, como tudo na jornada do desenvolvimento, tanto por seus efeitos negativos, quanto positivos. Mas o fato é que os fundamentos que possibilitaram tal acontecimento haviam sido plantados muito antes.

A forma de pensar, de planejar e de construir o mundo teve sua semente plantada dezenas de anos antes. Mas o desabrochar veio gradualmente e seus frutos duraram séculos até meados do ano 2000.

Quando nos vemos em pleno início de um novo milênio, com o cenário planetário habitado por cerca de 7 bilhões de pessoas, convém lembrarmos: há pouco mais de 100 anos, por volta de 1900 Planck e Einstein plantavam as primeiras sementes que dariam vida a algo novo: a visão quântica e a relatividade.

Neste momento, convido-os a retroceder quatrocentos anos e lembrarmos que o Brasil ainda caminhava para completar 100 anos de descoberta. Pelo resto do planeta, em vez de viagens espaciais, ‘Sagres’, a ‘Nasa‘ da época, promovia viagens pelos oceanos; Cervantes e Shakespeare, Galileu e Newton assim como inúmeras outras mentes brilhantes da época plantavam suas sementes de renovação em nosso planeta.

Nos transportes terrestres, bem, viajar não era nada fácil naqueles dias; muitos o faziam a pé, cavalos, etc. Imaginar estradas? Bem, chamemos de caminhos. Imaginemos as condições!

Em meio ao cenário da época, há notícias de alguns “excêntricos” falando em início, meio e fim, em inércia, em ação e reação, na Terra girar em torno do Sol e várias outras ‘maluquices’, em meio a ‘opressões’ e ‘inquietações’ que respingavam de séculos e séculos recentes que caracterizaram a idade média de nossa humanidade. Vamos imaginar um cidadão da época. O mais fácil seria ignorar aquela “falação” e tentar manter a si e sua família a salvo de ‘perigos’ ou ‘novidades’ que eles nem mesmo entendiam. Ok, no geral, o mais provável é que tentassem continuar suas vidas sem maiores sobressaltos. Além do mais, como eles poderiam absorver tal carga de novidades?

Quando nos transportamos aos anos 1900, navegando nos ideais de fraternidade, igualdade e liberdade e imaginamos o cidadão da época, vale o exercício de tentar entender porque, hoje, passadas duas guerras mundiais que quase aniquilaram o senso de fraternidade e, em grande extensão, fragilizaram o senso de liberdade e de igualdade em nosso planeta; além de jogar no fundo do poço, chances magníficas de usar recursos que pertencem à humanidade e não a estados, em prol de criarmos um mundo melhor. Em vez disso, em muito nos desviamos de nossa jornada em direção à elevação de nosso planeta; e ainda, não aprendendo com esses erros, iniciamos o novo milênio jogando mais de 3 trilhões de dólares no lixo, em busca de armas químicas que nunca foram encontradas e na busca de avatares de um sistema de terrorismo que facilmente se substituem. Isso tudo num planeta em que mais de 53% da população mundial vive abaixo do nível de pobreza.

Bem, na nossa breve jornada, mais de 100 anos depois de lançados os fundamentos da física quântica, relatividade e outros conceitos, totalmente novos para a época de 1900, a população atual ainda não absorveu aqueles conceitos fundamentais.

Neste ponto, vale observar que parece que é assim que se dá a jornada da humanidade em nosso planeta, sempre com alguns pioneiros plantando sementes que levam um século ou mais para desabrochar no seio social.

Voltando à nossa jornada, no período entre os anos 1600 e 1900, por cerca de trezentos anos, a ciência, o desenvolvimento tecnológico e ideais de fraternidade, liberdade e igualdade puxaram a humanidade para mudanças de hábitos na forma de ser e de pensar.
Desde 1900, muita coisa aconteceu. Se pensarmos em descobertas científicas, como inserções da astronomia no universo estelar ou na internet; nas cirurgias a laser ou nos meios de transportes; assim como em muitos outros aspectos, a percepção da velocidade com que tudo transcorre é algo estonteante em nossas vidas.

Imaginar a dona de casa ou o garoto que mora no campo como ainda não tendo noção do que está por trás das muitas mudanças na forma de vida é algo compreensível.

Mas se olharmos mais cuidadosamente, o que pode ser notado é que, mesmo nossas instituições, muitas delas consideradas modernas, não têm noção ou consciência da transcendência de conceitos como os apresentados pela física quântica, por exemplo. .

Sob um prisma estático, como uma fotografia do momento, a sociedade parece estar sendo atropelada pelo desenvolvimento científico e tecnológico; mas, sob outro prisma; de um filme, veem-se novos paradigmas e fundamentos sendo assimilados por toda a população do planeta ao longo do tempo. Na fotografia de hoje, ainda nos vemos engatinhando, amanhã podemos nos ver andando.

Uma inquietação que surge é: enquanto a ciência move-se à velocidade da luz, os fundamentos filosóficos essenciais que a produzem vão se perdendo com o tempo, em meio a inundações no oceano das informações. Aí é que vale focar a atenção, na perda do saber! Como manter e disseminar o saber? Eis a questão, sobre a qual vale refletirmos sempre.

Na supressão da filosofia, da moral e da sensibilidade em nossa sociedade, de tempos em tempos, a perda do saber acaba por se traduzir em ausência dos sentimentos de fraternidade, de caridade, de compaixão.

Um exemplo? Cerca de dois mil anos depois de termos recebido os ensinamentos de “amar a Deus acima de todas as coisas” e “amar uns aos outros, como vos amei“, quando cerca de 250 milhões de pessoas habitavam o planeta, na época em que Deus enviou Jesus ao nosso planeta para plantar a semente da linguagem de Deus no mundo – a do amor, parece claro a distância entre o “conhecimento que recebemos” e a absorção do mesmo. Isso mostra a nossa tendência, como humanidade, de abandonar as fontes do saber ao longo do tempo.

Quando nos é apresentado o grande questionamento: o que queremos de fato para nosso planeta e para nossa humanidade? Com que referências, responderemos esta questão?

Lacunas geradas pelo distanciamento entre uma nova visão, que origina novos conceitos e formas de ver o mundo e os frutos que dela se originam vão sendo criadas.

O processo de abandono do saber é sutil e de grande risco. Não perdemos o conhecimento tecnológico, que continua a existir, a menos que haja uma disrupção. Mas a perda do saber ocorre quando focamos apenas nos resultados ou nos frutos que foram gerados, esquecendo-se a essência do saber que gerou o conhecimento. Voltando ao período de 1600 e passando pela jornada que nos trás até hoje, muitos dos fundamentos e das filosofias que nortearam mudanças no planeta todo se perderam e o que é lembrado são os métodos e formas, fórmulas e resultados, conhecimento tecnológico e seus frutos visíveis. O que gerou isso tudo acaba sendo esquecido. É como se tendo um quadro magnífico, o que passasse a ser valorizado é a moldura dele, com o seu conteúdo não sendo mais percebido com o passar do tempo.

Será que vamos repetir o padrão?
Vamos ficar nas fórmulas? Nos métodos? Nos resultados? Nas molduras? Vamos perder a chance de fazer algo diferente desta vez?

Com lentes que permitam um alinhamento mínimo com as bases da visão científica, podemos captar que alguns aspectos fundamentais do que estes célebres cientistas propuseram e provaram devem ser investigados e complementados. A sequência deste processo não deve parar e isto não deve nos preocupar: a busca é parte da mente científica.
O ponto que podemos suscitar é: será que esses fundamentos, apresentados por pioneiros em todas as épocas, não explicam muito mais do que pode ser visto por olhos que se limitam às molduras da época?


Como entender o momento?

Sinto que conceitos quânticos podem transitar por universos diferentes simultaneamente. Sinto que o trânsito entre o universo científico e o universo humano pode ser alcançado com muitas destas ferramentas desenvolvidas no decorrer do século vinte e com novas que estão sendo pensadas ou preparadas neste exato momento ou que virão a ser pensadas num futuro próximo.

Os universos científico e espiritual estão muito próximos no meu entender, muito mais do que imagina a mente materialista ou mesmo a mente puramente religiosa. São dimensões diferentes, mas presentes simultaneamente, e que se interpenetram em muitos momentos. Existe grande possibilidade de coexistirem em harmonia.
Para tanto, se faz necessário uma nova leitura e uma nova linguagem – ou seja uma nova concepção, deixando de focar nas “molduras”; sem preconceitos de parte a parte e sem o sentimento de ‘dono da verdade’ de nenhuma das partes, seja científica ou religiosa. Ambas devem ser alimentadas por novos conceitos, muitos dos quais baseados na teoria quântica, na relatividade e em conceitos mais recentes que têm se apresentado e sido não só provados cientificamente, como já estão usados comercialmente; e que – no fundo tem características espirituais latentes; é só questão de ver com novas lentes.

É impossível fazer esta transição utilizando a mesma linguagem dos últimos quatrocentos anos. Assim como seria impossível explicar os conceitos quânticos com fundamentos da mecânica clássica.

Vejo que o desenvolvimento humano passa pelo resgate de seu próprio autoconhecimento. Penso que atributos básicos como: valores essenciais, propósito elevado, razão, intuição, percepção e criatividade devem ser revitalizados neste processo.

O entendimento do que envolve estes atributos pode ter acompanhamento e mesmo ajuda para serem compreendidos mais facilmente através do entendimento filosófico de novos e velhos conceitos científicos. Penso que a partir daí a distância entre a subjetividade e objetividade, entre o abstrato e o material podem começar a desaparecer e então, talvez percebamos, que eles são faces diferentes de um mesmo fenômeno.

Autor: Herbert Santos Silva
site: intuicao.com

Abaixo, compartilho foto de grandes cientistas do início do século XX, reunidos durante o 5º Congresso de Solvay de Física e Química, em outubro de 1927, em Bruxelas, na Bélgica.

Presentes na foto:
3ª fila de pé: Auguste Piccard, Émile Henriot, Paul Ehrenfest, Édouard Herzen, Théophile de Donder, Erwin Schrödinger, Jules-Émile Verschaffelt, Wolfgang Pauli, Werner Heisenberg, Ralph Fowler, Léon Brillouin. 2ª fila sentados: Peter Debye, Martin Knudsen, William Bragg, Hendrik Kramers, Paul Dirac, Arthur Compton, Louis de Broglie, Max Born, Niels Bohr. 1ª fila sentados: Irving Langmuir, Max Planck, Marie Curie, Hendrik Lorentz, Albert Einstein, Paul Langevin, Charles Guye, Charles Wilson, Owen Richardson.

A fotografia acima foi feita há exatos 90 anos durante o 5º Congresso de Solvay de Física e Química, em outubro de 1927, em Bruxelas, na Bélgica. Nesta que foi talvez a mais famosa conferência científica, discutiu-se sobre elétrons e fótons. A recém formulada teoria quântica foi discutida com as personalidades dominantes Albert Einstein e Niels Bohr (debate Einstein-Bohr). No começo do século 20, essas Conferências reuniam os mais consagrados cientistas da época, e proporcionaram avanços fundamentais para a Física Quântica.

Fonte da imagem e da informação sobre a reunião de Bruxelas: http://charlezine.com.br/os-grandes-cientistas-seculo-20/
No mesmo link pode-se ler um texto interessante: “Por que as revoluções científicas não derrubam nossos conhecimentos tecnológicos?” de Daniel Durante, professor de filosofia da UFRN.