Ferhélin no outono das Montanhas Rochosas

Ferhélin no outono das Montanhas Rochosas

Leis das Natureza, Sem pressa para Viver; O vento bate, a brisa acaricia; Qualidades, trens e uma Locomotiva; Dons e Brilhos são alguns dos temas do capítulo ‘Ferhélin no Outono das Montanhas Rochosas’ do livro Ouvindo as Estrelas, hoje publicado aqui no site .

Há um brilho sutil no ar,
nos sentimentos e no viver!

O início da Jornada

No dia seguinte ao término da conferência, ela daria início a uma jornada única em sua vida… Bem, a partir de agora, você vai saber como tudo aconteceu.

Durante a viagem, percorrendo centenas de quilômetros, desde que deixara a ‘cidade das flores’, Victoria, Ferhélin havia se surpreendido com a diversidade de cenários que pôde observar durante o percurso. A presença de florestas, lagos, desertos semiáridos, vales glaciais e, por fim, vastas cadeias de montanhas; aquele conjunto variado de cenários naturais tão distintos entre si e tão únicos e encantadores a encantaram. 

Ela havia optado por viajar com uma agência de turismo que organizava viagens de pequenos grupos através da América do Norte; viagens despojadas de luxo, mas com um “astral legal”, como ela pôde confirmar. Durante a viagem ela se viu com um grupo de jovens de várias origens, habituados a usar aquele tipo de transporte de baixo custo.

Após quase o dia todo viajando, com paradas durante o percurso para descanso e alimentação em alguns locais escolhidos especialmente pelas características e beleza; já no final da tarde, chegaram ao Canyon Mistaya, já nas Montanhas Rochosas Canadenses. A pousada onde se hospedariam, alguns quilômetros distantes da autoestrada, estava imersa em meio às montanhas. Seria um local onde permaneceriam por dois dias. 

O dia estava clareando, Ferhélin preparou um chá e para acompanhar, frutas e cereais. Independente, como sempre foi, ela seguiu sozinha através de uma trilha que se delineava por entre as altas árvores. Sentiu-se caminhando sobre um tapete, formado por folhas amareladas caídas sobre o chão. Notou as poucas flores, quase incógnitas no meio dos arbustos que ainda acolhiam gotas do orvalho da manhã.

O sol se fazia presente de maneira tímida. Nuvens esparsas flutuavam no ar e ela observou uma águia solitária que voava a uma altura extraordinária naquela manhã. ‘O tempo parecia inexistir’ enquanto sentia a brisa gelada em sua face. Ao longe, pôde observar o prateado de uma geleira coexistindo silenciosamente com as cores que o outono apresentava em meio às montanhas por toda a volta. 

Por instantes, que ficaram gravados em seu coração, presenciava a fascinante comunicação da natureza em cada observação que alcançava fazer e sentiu-se como parte integrante daquele cenário maravilhoso. 

Com seus olhos castanhos claros, assim como seus cabelos, que encaracolados se esparramavam sobre os ombros, a mulher, em seus vinte e nove anos, sentiu-se menina. 

Ferhélin encontrava-se a uns vinte metros de altura sobre o rio. Olhando para baixo, sentiu-se flutuando no ar — pôde ver a água de cor verde-prata fluindo lá embaixo.

Olhando à frente, observou aquela bela montanha, parte de uma cadeia de montanhas que se estendia ao longo daquele vale. Admirou as inúmeras árvores e pôde observar que o verde das folhas começava a adquirir uma tonalidade que variava do amarelo ao marrom-avermelhado, sinais do início do outono. Atrás de si, pôde ver a trilha que a havia levado até ali e que mal podia ser notada por dentre as muitas árvores. Ao longe, mais e mais montanhas podiam ser vistas.  

Uma ponte há muito tempo em desuso unia as duas margens do rio que cruzava aquele imenso vale. A antiga estrutura de ferro vazado permitia a quem estivesse sobre ela, ver as águas do rio correndo por sobre as pedras que se abrigavam em seu leito. Dois arcos emolduravam as extremidades daquela antiga ponte. Aquele foi o local escolhido por Ferhélin para sentar-se e admirar todo o cenário ao redor. Ali permaneceu, escutando as águas do rio fluindo abaixo, recebendo a brisa que a envolvia e admirando profundamente aquele cenário que tanto chamou sua atenção. De algum modo, ela sentia-se protegida pelas belas montanhas que margeavam aquele rio.

O tempo passava, quando, a uma certa distância, ela viu alguém se aproximando. Logo uma jovem estava à sua frente. Cabelos compridos amarrados em rabo de cavalo, morena clara, sorriso discreto, usando saia que cobria seus pés e blusa bege claro de mangas longas, aparentava ter entre quinze a dezessete anos.  

Ferhélin, por sua vez, estava totalmente relaxada, sentindo-se integrada àquele cenário de rio, pedras, árvores, brisa e montanhas que pareciam manifestar tanta harmonia para ela. 

Quando a garota chegou mais perto, ela pôde observá-la melhor: Deve ser uma garota aborígene[1] canadense, pensou Ferhélin.

— Olá! — disse à garota.

— Olá! — ela respondeu, aproximando-se.

Olhando para as montanhas que as cercavam, a jovem disse:

— O vento bate! A brisa acaricia! 

Ferhélin ficou surpresa com o que ela havia dito — sua face esboçou um sorriso suave. Por segundos, permaneceu pensando naquelas palavras.

— Podemos aprender a entender a linguagem da natureza. Agora a brisa está acariciando você — disse a garota chamando a atenção de Ferhélin. 

Assim começaria sua jornada de encontros pelas Montanhas Rochosas. “Uma jornada entre as linguagens da razão e as do coração”, como ela descreveria posteriormente.

O contato com as Rochosas Canadenses parecia dar origem a novos sentimentos, percebeu Ferhélin, quando a garota perguntou: 

— O que você acha daqui?

Ferhélin permaneceu pensativa por instantes enquanto a garota sentava-se à sua frente. Ela estava vestida em trajes não tão comuns a Ferhélin. Eram vestimentas, que veria mais tarde, típicas do First Nation’s People[2], como são chamados os aborígines canadenses de que ela fazia parte.  

— Sabe, estas montanhas são especiais. Parecem ser preenchidas de suavidade, poder e beleza — disse Ferhélin olhando para a menina.

— Sim, elas têm tudo isso — ela afirmou.

— As montanhas parecem falar — complementou Ferhélin.

A jovem a olhava nos olhos quando disse:

— As montanhas falam. Ao olhar para dentro delas com atenção, verá mais do que vê agora e saberá ouvir o que elas têm a falar. Verá sua beleza, sua história, a combinação das diferenças que criam sua harmonia e observará sutilezas que, só quem as vê com olhos de “amigo”, consegue ver.

Ferhélin, observando a montanha à sua frente, ouviu em sua mente: ‘Só quem se abre à vida pode perceber isso.’ Seria a montanha falando comigo? Comunicar-me com a montanha? Seria isso possível? Seria eu capaz de permitir-me um diálogo assim? Pensou Ferhélin consigo mesma.

— Observe as rochas e suas formas, veja as árvores. Tudo parece único e a se completar nesta montanha — comentou Ferhélin com a Garota Montanhesa.

— Você a está vendo agora, com o sol surgindo, o verde cintilando nas árvores, a água fluindo. Você ouve os sons da natureza. Observa como as rochas estabelecem as formas, emoldurando tudo o que vê. Ao perceber tudo isso, você se sente bem, não é verdade?

— Muitíssimo bem, é assim que me sinto — afirmou Ferhélin, deixando fluir dentro de si como que um rio de sensações e emoções tomando conta de todo seu ser.

— Ninguém vem aqui só por vir. Meu avô é o Xamã da minha tribo. Ele diz que a montanha entende que quem a visita sempre está buscando algo. Ela pode sentir e ouvir seu espírito. Com ela não há que se esconder nada, esta é lei para quem quer encontrar o que busca — acrescentou a Garota Montanhesa. — Esta é a lei natural aqui.

Ao fazer esta escolha, nada pode ser escondido. Você a aceita? 

—perguntou, entre curiosa e inocente.

Ferhélin ficou em silêncio por momentos, apenas balançando a cabeça, concordando com o que tinha escutado. Para, em seguida, perguntar:

Se as montanhas pudessem falar, o que elas diriam? Como seria a visão das montanhas vendo pessoas destruindo tesouros que só trazem benefícios a todos e ao planeta inteiro? Fazendo uma pausa, como que direcionando sua fala para as montanhas, continuou: com sua firmeza e majestade, como a natureza e as montanhas entenderiam que as pessoas tenham atitudes tão insanas? Como será que elas entenderiam isso?

Respirando fundo e direcionando seu olhar para as montanhas, a garota compartilhou seus pensamentos:

— Para a natureza, a beleza e a harmonia não estão nas coisas ou nos cenários que as pessoas veem. A beleza não está naquilo que é visto. Está nos olhos de quem a vê. Assim aprendi, desde criança com meu avô, meu pai, minha mãe. Assim eles me ensinaram.

Ferhélin apenas sorriu, para alguns instantes depois, indagar:

— Pensando na beleza, que você diz estar nos olhos de quem a vê, como você entende isto?

— Hum, nunca pensei assim – em entender, apenas aprendi que funciona assim. Aprendi que o que você vê reflete o que você sente. Como se o que sentimos, fosse um espelho que reflete o que está dentro de nós mesmos. 

Pense um pouco, você está aqui neste vale, circundado por montanhas e sentindo-se próxima a tudo que enxerga. Você está em sintonia com o que vê. Em verdade você se sintoniza com o que quer, ou no fundo, com o que está sentindo internamente. 

Desde criança, aprendi que tudo está interligado e nossas relações começam com o que nos sintonizamos. Seja com a lua, com o sol, com os animais, com as aves ou com as pessoas. Minha mãe me lembra sempre que ao observar a natureza, se você vê beleza, você está sintonizando com algo belo dentro de você. Hoje, sei que há uma ligação entre o sentimento presente em meu coração e aquilo que vejo. 

Olhando para Ferhélin, disse: imagine que agora, neste mesmo local, você estivesse muito preocupada com seus problemas. Talvez não fosse capaz de ver nada ao seu redor, só pensando em suas atribulações. Caso não consiga ver nada, ou tenha pensamentos inúteis, você acha que é a natureza que está gerando aquilo que você sente? Você pode não ver nada de belo, mas tudo continua aqui. Concorda? Não é porque você não observou, que algo deixa de existir. 

A vida é assim; pode haver muitas coisas especiais ao nosso redor, e podemos não perceber nada; por estarmos com a mente ocupada com preocupações, problemas etc.

Uma Ferhélin surpresa por ver uma jovem com tanta sabedoria, e ao mesmo tempo, sentindo uma felicidade imensa dentro de si, observava a beleza ao seu redor e, admirada com aquela ‘garota’ especial à sua frente, continuou o diálogo.

— Você quer dizer que, quando vejo algo errado e me enraiveço, eu estou entrando em sintonia com uma fonte de raiva dentro de mim mesma e não naquilo que vi de errado? 

A Garota Montanhesa balançou a cabeça, confirmando:

— A maioria das vezes, sim, e algumas poucas, não. Não há nada de complicado nisso. Se controlarmos nossos sentimentos, como os sábios fazem, seríamos capazes de perceber a raiva e não a experimentar. Mas, sem preparação do coração e da mente, as pessoas acabam por manifestar o que sentem internamente naquilo que veem. Quanto às poucas vezes que isso não ocorre e, ainda assim, experimentamos raiva, pode ocorrer devido a indignações ou barbáries inaceitáveis, mas mesmo em tais situações, o ideal seria não canalizar aquela energia de indignação etc. por meio da raiva. Há situações nas quais, não sendo possível ajudar diretamente, é melhor ficarmos em silêncio, vendo a natureza, meditando, ou algo do tipo, acalmando nossos pensamentos, deixando aquela energia se aquietar dentro de nós e, de alguma forma, nos solidarizarmos em pensamentos e sentimentos com aqueles que sofreram com o que quer que tenha acontecido que cause indignação. 

Ali, em meio àquele ar refrescante e o verde brilhante, a água deslizando e sussurrando sons ao fundo, Ferhélin sentia-se em outra dimensão. Seus pensamentos pareciam leves e claros, suas emoções fluíam em sintonia com a harmonia que experimentava.

Ela entendia que, quando a energia do conhecimento ou do entendimento se transformava em algo mais palpável, começava a sentir a energia vital daquele assunto ou pensamento.

O que havia aprendido com tantas viagens, estudos e congressos? O que tudo isso havia acrescentado à sua vida? 

Observando a garota, ela percebeu que a Garota Montanhesa havia estudado muito menos, talvez nunca tivesse ido a congresso algum, mas traduzia o conhecimento em sua vida de maneira tão clara e simples.

Ferhélin descobria, cada vez mais, que é importante ouvir o que a vida tem a dizer.

Ali, naquela experiência com a Garota Montanhesa, ela dava início à sua jornada pelas Rochosas Canadenses e, como confidenciou mais tarde, pelas descobertas do coração. Sentia-se ultrapassando obstáculos que bloqueavam o caminho rumo a algo sublime e genuíno que se escondia por trás da rigidez e de medos, fantasiados de solidez e provas concretas, realidades com as quais convivia diariamente.

— Há alguns acontecimentos interessantes na vida. Pode ser uma montanha, um rio, uma pessoa, um animal, cristal, aroma, lago, nuvem, não importa. É incrível como cada ser ou “objeto” parece ter algo “peculiar”, que lhe dá uma magnitude especial e a impressão de fazê-lo mais reluzente e digno de estar vivo. Você vê assim? — perguntou Ferhélin.

A Garota Montanhesa sorriu em sua inocência e apenas disse: — Brilho!

Após alguns segundos de silêncio, sendo observada por Ferhélin, ela complementou:

— Quando vejo o sol ouas estrelas, sinto que seu brilho está falando comigo. Sei que são seus dons naturais que estão se expressando. Observe o rio abaixo de nós. Parece feito de diamantes brilhando em sua superfície. Observe os animais ou as aves e sinta seus olhares. O mesmo com as pessoas! Elas “funcionam” de acordo com o brilho que se permitem expressar. 

Quanto mais expressam seus dons, mais brilho trazem em suas vidas. Ele não pode ficar escondido. As pessoas não podem permanecer sufocadas por preocupações com o passado ou ansiosas sobre o futuro. A relação humana com o tempo é diferente da visão que a natureza tem. O passado, assim como o futuro, está sempre incorporado pela natureza, sempre no momento presente.

— Isto é algo para ser pensado — refletiu Ferhélin.

— É preciso deixar os sentimentos fluírem enquanto se respira — disse a Garota Montanhesa. — Para isso, todos deveriam respirar corretamente, sentindo o ar visitando o corpo, sem pressa, e então o coração os lembrará de que não deve haver pressa para viver. A natureza expressa seus dons naturalmente. Já o ser humano perdeu sua naturalidade. Então é simples: deve reaprender. Se ele está em constante movimentação, é preciso reaprender a parar. Sepensa demais, é preciso aprender a meditar. Se vive em um oceano de objetivos a cumprir, é preciso reaprender a sonhar. Se tem métodos para tudo, é preciso reaprender a criar. Se ele só vê coisas concretas, é preciso reaprender a imaginar. Se ele se acostumou a falar demais, é preciso reaprender a ouvir. No fundo, o que ele precisa é permitir-se escutar o que o coração está sentindo. O coração da natureza se expressa sempre, por isto, é fácil ver quando ela está feliz ou triste. O ser humano parece querer esconder que tem coração.

Sendo atraída pelo brilho especial de uma árvore à frente, Ferhélin escutou a Garota Montanhesa dizer:

— Quando uma semente é plantada, poucos podem imaginar o que nascerá dela. Os frutos, as folhas, o aroma que exalará, as cores que apresentará ao mundo, cada aspecto que nascerá daquela semente mantém-se incógnito por longo tempo.Ninguém percebe que ela existe enquanto está enterrada e acolhida pela terra, mas está viva, mesmo sem aparecer. Aos poucos, começa a ocupar seu espaço, expandindo-se, tomando diferentes formas e crescendo. Então vêm os frutos e as flores, e assim decorre sua vida. Mas o alimento segue vindo das raízes, que continuam escondidas. O ser humano abandonou partes deste processo, por exemplo, de alimentar-se internamente, de voltar-se para dentro. E acabou esquecendo suas raízes, onde se encontram qualidades anteriores à intelectualização da vida.

— A natureza obedece às leis naturais. A principal delas é a harmonia. O ser humano tem qualidades que já nascem com ele. A paz e o amor são duas destas qualidades que obedecem à lei que é mais forte que qualquer outra no planeta — a lei da harmonia. Pode ver, tudo e todos buscam sempre por harmonia em suas vidas. Não importa que tipo de vida seja, Pode ser um rio, aves, animais e nós, pessoas. 

A Garota Montanhesa parecia envolta em luz e seus olhos serenos pareciamreforçar tudo o que ela falava. – Pode ver, cada ser humano tem uma série de qualidades, mas muitos nem percebem suas qualidades e se afastam delas.Imagine um trem, com a locomotiva e inúmeros vagões.

Ferhélin visualizava em sua mente os imensos trens canadenses, com mais de cento e cinqüenta vagões, que, nos seus primeiros dias de viagem, a haviam impressionado. A Garota Montanhesa continuava,

— Para o trem movimentar-se, a locomotiva puxa todos os outros vagões. Assim funciona com as qualidades também. Meu avô costuma dizer que cada pessoa tem uma qualidade que funciona como a sua locomotiva. Para alguns, é a felicidade, o entusiasmo, a serenidade ou simplicidade; varia de acordo com cada um. O fato é que quando a pessoa expressa aquela qualidade, traz junto muitas outras. Quando alguém manifesta sua qualidade-locomotiva, os dons se manifestam e isto inspira outros, é assim que o brilho acontece nas nossas vidas. Há um brilho sutil no ar, nos sentimentos e no viver. Se a locomotiva é o entusiasmo, junto virá a felicidade, a cooperação e muitas outras qualidades. E assim vai — disse a Garota Montanhesa, fazendo um gesto com sua mão, como se voasse pelo vale adentro. — Aprendi com ele que, descobrir a qualidade-locomotiva, é a base para quem quer expressar seus dons. 

Olhando com seus olhos brilhantes e calmos para Ferhelin, ela perguntou: Você já sabe qual é a sua?

Ferhélin suspirou, expelindo e depois trazendo todo o ar que conseguiu para dentro de seu corpo procurou pensar e permaneceu em silêncio. Sabia que ainda não tinha uma resposta. 

Depois de um tempo, olhando para a Garota Montanhesa, perguntou: `Como vou descobrir esta qualidade-locomotiva?` 

— É algo especial que você tem, está em seu coração. Você pode até não tê-la descoberto ainda, mas não se preocupe, ela é algo que faz parte de sua natureza e não vai desaparecer. O que pode acontecer é você retardar sua revelação para você mesma.

A pergunta a ser feita é: se tivesse que escolher uma única qualidade, qual escolheria?
O que é que faz a “diferença” para mim?

Procure sentir, você tem várias qualidades, mas uma delas funciona como sua locomotiva. Qual é, é algo que somente você mesma pode responder. O segredo está em você mesma.

Dentre as qualidades, uma qualidade a inspira mais, estimulando outras a surgirem e que acaba por inspirar outras pessoas ao seu redor. Procure sentir várias qualidades, cada uma a seu tempo e sinta qual qualidade te toca mais.

Procure sentir, você tem várias qualidades, o segredo está em você mesma; a sua qualidade locomotiva pode ser uma ou mais de uma; não importa, o importante é passar a vivenciá-las sempre que puder. 

A Garota continuava a conduzir seus pensamentos através de perguntas, quase que ajudando Ferhélin a pensar: qual delas a inspira mais, estimulando outras a surgirem e que acaba por inspirar outras pessoas ao seu redor? É sua força motriz, procure senti-la. Dê a seu coração esta tarefa, ele terá a resposta. Não precisa responder agora. O coração tem seu tempo, diferente do tempo da razão. Deixe-o expressar-se no seu tempo.

Ali, tendo o verde das árvores à sua volta, vendo pássaros voando em liberdade por dentre as nuvens claras, escutando o som das águas do rio batendo nas rochas e lembrando daqueles imensos trens puxados por uma ou duas locomotivas, Ferhélin* deixaria seu coração continuar aquele diálogo com a Garota Montanhesa.

— Quero ouvi-la montanha— disse Ferhélin sussurrando junto à brisa, enquanto olhava a montanha.

A Garota Montanhesa sorriu sinalizando cumplicidade e entendimento.  

As idéias sobre a qualidade-locomotiva continuavam sua jornada pelo coração e pela mente de Ferhélin. Sentia-se em sintonia com a Garota Montanhesa e com a natureza.

— Apenas lembre-se das qualidades, pense nelas e procure senti-las. Não escolha uma apenas por escolher. Não há necessidade de estudá-las intensamente. Apenas tenha uma idéia delas e procure senti-las em silêncio e em harmonia. Procure traduzir a qualidade em cores, imagem ou sons, caso fique mais fácil para você — disse a Garota Montanhesa, permanecendo em silêncio após falar.

— Qualidades? — pensou Ferhélin, quase que sussurrando.

A Garota Montanhesa expressava sua jovialidade e, o que surpreendia Ferhélin de tempos em tempos, mostrava um conhecimento que ela nunca imaginaria numa garota, opinião que, ela faz questão der ressaltar, ela mudaria após sua jornada pelas Rochosas, mas isso você vera no decorrer desta jornada. O fato era que a Garota Montanhesa estava feliz em ajudar Ferhélin e, assim, alegre e inocente, continuou:

— É, qualidades “mães”, como a paz, a felicidade, o amor, a pureza, e qualidades “filhas” como paciência, coragem, entusiasmo, doçura e várias outras. Não se preocupe em intelectualizar a qualidade. Procure sentir cada qualidade e perceber como ela se apresenta a você, como ela faz você se sentir. Uma delas pode ser a sua qualidade-locomotiva. As que não forem, pelo menos você as conhecerá melhor e saberá o caminho para experimentá-las quando quiser.. 

Ferhélin permaneceu pensativa. Ficou silenciosa por longos instantes, sentada naquela velha ponte de ferro, ouvindo o som da água descendo rio abaixo, sentindo a brisa do ar refrescando sua face. 

A Garota Montanhesa permanecia com vivacidade nos olhos, parecendo brincar com o ar, feliz por encontrar aquela nova amiga.

Após algum tempo, Ferhélin começou a focar algumas qualidades. Primeiro, lembrou-se do amor. Procurando pensar neste sentimento, sentiu-se envolver por uma energia que a preencheu inteiramente e que parecia irromper dela para fora, como se viesse de uma nascente de amor imersa dentro de si mesma. 

Era uma energia intensa e envolvente; ela experimentava poder, entusiasmo e sentia generosidade em seu coração, havia gratidão por ali estar, em meio à natureza, junto daquela garota tão bela e inocente. 

Ferhélin sentiu uma aura de luz rosa preenchendo-a e espalhando-se ao seu redor. Ao longe, bem suavemente, sons de harpa pareciam eclodir bem suavemente dentro dela.

A seguir, pensou na paz. Deixando-se invadir por aquela onda de refrescamento interior e de leveza natural, sentiu-se banhada em luz esbranquiçada. Experimentava completa serenidade, felicidade e integração com tudo ao seu redor, havia harmonia entre ela e tudo que a cercava. Sentia-se traspassada por aquela energia que sentia dentro de si e que envolvia tudo que seus olhos alcançavam.

Logo após, pensou na coragem, envolvendo-se em uma energia de poder e de sustento que a fazia sentir-se protegida e invulnerável ao que se insurgisse contra a harmonia daquele momento.

Experimentava uma aura de luz dourada que parecia ser intransponível naquele instante. Sentia-se em seu estado de completa integridade, nada poderia fragmentá-la. Seu espírito estava em paz, e ela sentia-se poderosa. Havia simplicidade em cada gesto, e a harmonia coexistia junto daquela sensação de independência total misturada com o sentimento de completa interdependência entre tudo que existia. 

Naquele silêncio que a envolvia, com a brisa roçando seus cabelos e face, envolvida pelo frescor que a rodeava, Ferhélin teve uma vivência única, experimentando cada uma das qualidades que ia lembrando.

Após longo tempo em silêncio, dirigiu-se à Garota Montanhesa e expressou o que havia sentido:

— É engraçado, fui lembrando-me das qualidades e sentindo cada uma delas. Todas se semelhavam em importância e, conforme ia experimentando-as, elas amplificavam-se dentro de mim. Pareciam acender-se assim que eu me lembrava delas. Cores, quietude e sons suaves pareciam estar presentes. A experiência pareceu dizer-me que elas já estavam dentro de mim. Eu apenas as ativava e, aos poucos, ia me sentindo abraçada, iluminada e preenchida por uma energia especial. É como se elas se acendessem em mim como luz — sussurou Ferhélin, feliz e excitada com a experiência que acabara de ter. 

E logo que começava a sentir uma delas, outras qualidades vinham junto e as experimentava igualmente. Elas pareciam vir conjugadas. 

Respirou mais pausadamente, como que reverenciando as palavras que começavam a existir assim que seus lábios se movessem. Então falou:

— Houve uma qualidade que pareceu se destacar. Foi a felicidade. Assim que a senti se espalhando por mim, a experiência que tive foi sublime. Sentir a energia de felicidade no nível sutil foi marcante.

Alguns segundos de silêncio aconteceram. A Garota Montanhesa envolta em luz, parecendo imersa nas ondas sutis de alegria que Ferhélin exalava ao revelar sua experiência,continuou a falar:

— Vivo para ser feliz. Quando me sinto alegre, percebo que muitas outras qualidades aparecem. Meu estado natural, em que sinto as qualidades brotando em mim e de mim para fora, é quando me percebo sorrindo. Entende? Não é o sorriso da face apenas, muitas vezes, ele não está visível. É algo mais sutil, talvez o sorriso da alma.

A Garota Montanhesa a observava com afeição e alegria. De maneira totalmente espontânea, o diálogo conduziu-se ao silêncio. A natureza parecia querer falar aos seus corações, e Ferhélin se rendeu àquela integração silenciosa entre as duas e a natureza. 

Assim elas permaneceram, até que a Garota Montanhesa se levantou e começou a dançar suavemente. E estendeu a mão para Ferhélin, que, de início, relutou, mas com a insistência meiga da outra levantou-se e também começou a balançar seu corpo delicadamente. Ambas pareciam encantadas e movidas à felicidade. Era o chamado da natureza para que, juntas, se expressassem. 

A água do rio abaixo parecia participar daquela dança. As folhas das árvores se movimentavam e a brisa brincava com suas faces enquanto seus cabelos voavam ao vento. Aos poucos, se deslocavam com leveza e harmonia por toda a extensão da velha ponte de ferro.

Ali estavam elas: a natureza, a Garota Montanhesa e Ferhélin,experimentando uma conversação sutil, usando a linguagem sagrada da confiança, do amor e do afeto, sem palavras, apenas dançando, uma na companhia da outra.

Após algum tempo, elas se olharam, se abraçaram e se despediram. Ambas começaram a caminhar de volta aos seus destinos. Logo, Ferhélin se veria subindo pela trilha que a levaria à pousada onde passaria a noite. 

 Jamais se esqueceria da Garota Montanhesa e daquele seu primeiro dia nas Montanhas Rochosas Canadenses, no belo CanyonMistaya. 


[1] São três os grupos de povos indígenas aborígenes do Canadá. Estes incluem Primeiras Nações, Inuit e Métis. 

[2] First Nation’s People: denominação dada aos povos originários, um dos três grupos indígenas do Canadá.

Livro Ferhélin, Ouvindo as Estrelas

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Imagens (exceto as da capa do livro): Banco de dados Pixabay