Energia Mental - do desânimo à alegria nos esportes.

Energia Mental - do desânimo à alegria nos esportes.

Energia Mental – do desânimo à alegria nos esportes.

Escrevo este texto, inspirado pelo amor que tenho aos esportes e não como um especialista; mas como um apreciador e como um observador. Coloco aspectos que penso terem seu grau de importância para aqueles que estão envolvidos em treinamentos e muito focados em resultados.
Com o desenvolvimento das técnicas e métodos de treinamentos, uma ênfase muito grande tem sido dada no aprimoramento de certos aspectos técnicos.
Muito normal que isto aconteça, pois o que diferencia o primeiro do segundo lugar muitas vezes está em detalhes, e são os detalhes que formam o conjunto e diferenciam uma obra prima de algo apenas bom.

Mas, muitas vezes, com os olhos excessivamente voltados para aspectos técnicos, envolvendo força, resistência e aprimoramento técnico, dois aspectos fundamentais têm sido deixado de lado, a sensibilidade e a criatividade. usain bolt

A criatividade, fator determinante na distinção entre o gênio e o bom, por vezes, é erradamente entendida apenas como sendo vinculada ao talento natural, quando na verdade tem muito mais a ver com o estado de espírito do atleta. A criatividade é nutrida pela mente, seja do treinador, seja do atleta.

A sensibilidade, por sua vez, quando tratada sob o prisma da valorização excessiva de resultados, muitas vezes é considerada uma fraqueza, quando em verdade, é um sensor que pode mostrar necessidades de ajustes finos, correções de rumo que podem sinalizar pequenas mudanças de direção em treinamentos que, de início, aparentam ser imperceptíveis, mas que ao longo do tempo podem levar a destinos bem distintos daqueles que seriam atingidos se não fossem realizadas.

Mesmo pessoas consideradas ‘não talentosas’, quando usam a criatividade aliadas à sensibilidade, em benefício de seus estilos próprios, sobem de nível, passando, muitas vezes, de ser considerado um atleta mediano a um bom atleta, ou de um bom jogador a excelente, ou de um excepcional atleta a um cujo nome transcenderá seu tempo.

O que não pode ser esquecido?

Acima do atleta, está o ser humano e isso nunca pode ser esquecido. A beleza da técnica, do talento e da arte devem estar personificadas com qualidades humanas seja como a alegria e a descontração – no exemplo de Usain Bolt; de simplicidade e auto confiança – no exemplo de Abebe Bikila, ABEBE BIKILAcorrendo descalço e vencendo a maratona olímpica de Roma; de fé e princípios, no exemplo de Eric Henry Liddell, atleta e missionário presbiteriano escocês imortalizado no filme Carruagens de Fogo, com sua fé inabalável que o fez desistir da prova olímpica dos 100 metros rasos, que era sua especialidade, por cair num domingo, mas o levou a vencer uma prova totalmente diferente, a dos 400 m na mesma olimpíada de 1924; de naturalidade e espontaneidade, no exemplo de Guga Kuerten vencendo o Grand Slam em Roland Garros três vezes.

Há vários outros exemplos de atletas, medalhistas ou não, olímpicos ou não, que combinaram escolhas puramente pessoais com orientações técnicas e métodos de treinamentos, com a concentração e com a disciplina, com a tática e a garra, com a sua especialidade e dedicação; seja nas pistas de atletismo ou nas quadras, nos campos ou nas piscinas, nos tanques de saltos ornamentais ou nas ruas, nos campos de futebol ou de rugby, e nos vários palcos onde os atletas se apresentam, tudo num nível que talvez tenha levado cada um deles a atingir seu melhor e deram a eles a percepção de fazer o melhor que podiam – usando sua criatividade e sensibilidade e superando obstáculos e níveis pessoais.

Alguns deveres de um atleta de alto nível

Alguns deveres fazem parte da formação de um atleta ou de uma equipe.
Aqui serão listados oito destes deveres fundamentais:

1 – Seja em competições individuais ou coletivas, o atleta nunca deve se sentir só, independente de qual seja seu palco. Ele deve ter prazer em carregar a aura da equipe que o treina e que o prepara, mas acima disto, ainda, ele deve carregar consigo seus sonhos e ideais, assim como seus exemplos de vitória.

2 – Numa equipe ou entre competidores cada atleta deve aceitar a realidade que o envolve, mesmo que, não poucas vezes, ela seja diferente de como ele gostaria que fosse; este ‘aceitar’ nada tem de passivo, mas de sabedoria, que levará o atleta a usar de criatividade e flexibilidade, sempre visando adequar sua preparação de modo a dar o melhor de si, dentro da realidade a ele apresentada.

3 – Outro aspecto que pode ser extremamente positivo é o de aprender a gostar da qualidade e especialidade de outros, sejam companheiros de equipe ou competidores. Isto pode ser trabalhado com o poder de observar e pode ser inspirado pela própria equipe de treinamento.

4 – É vital a cada componente do grupo, e isto se aplica mesmo a competidores individuais, aprender a ajudar cada um do grupo a fazer o melhor. Sensibilidade e capacidade de interagir são os requisitos básicos para este intento.

5 – Um quinto aspecto vital é saber identificar como ele pode agir para que outros membros de sua equipe reacendam a chama da auto-estima através de realimentar a qualidade principal de quem está em baixa.

6- Um sexto aspecto é cada membro da equipe sempre verificar como ele próprio está se comportando. Se está atuando dentro de suas características natas, ou fugindo delas.

7- O sétimo aspecto básico a cada membro de uma equipe é saber quando e como reorientar sua trajetória dentro dos processos, sejam treinamentos ou dentro de uma competição. Isto cabe, principalmente ao comandante técnico assim como aos membros da equipe, mas dentro de uma competição o próprio atleta deve assumir esta postura.

8- O oitavo dever está relacionado a Ser o seu melhor eu – e isto cabe a todos os componentes de uma equipe.

Exemplos que souberam ser seu “melhor eu”

Ser como você é; não querer ser outros ou como outros, ser o seu melhor é que faz a diferença, para si e para o grupo, e quando isto ocorre há satisfação, mesmo na derrota, pois interiormente houve vitória, você fez o seu melhor.

Há vários padrões que podemos identificar nas pessoas-atletas, aqui mais alguns poucos exemplos podem ser lembrados lembrados:

Um deles vem com o atleta, cinco vezes olímpico, Oscar, do basquete, graças, além de sua técnica e determinação nos treinos, de uma grande auto-estima, digna de um campeão que é, com ou sem títulos.
Melhorar sua performance pessoal, esta pareceu ser sua meta, dia após dia, em sua vida esportiva. Quem não sabe sobre aquele dia da vitória no Pan-Americano de 1987 contra os Estados Unidos, em que ele e Marcel conduziram a equipe nacional de basquete dentro de quadra num dia memorável, procure saber – foi memorável para o esporte brasileiro. Como eles treinavam antes de serem famosos? O que faziam de diferente? Foram únicos, assim como Paula e Hortência o foram. Quem ensinou Hortência a dar aquela respirada, única dela, antes de cada lance-livre? Ou quem ensinou a Paula a ‘parar no ar’ e ter aquela sensibilidade única no arremesso de três pontos? Vale a pena pesquisar e verão que aspectos humanos, transcendendo os técnicos, foram determinantes na jornada de cada um deles, desde crianças.

Tirar o ‘sonho’ do dia a dia de um atleta com certas tipificações significa aniquilar o atleta. Melhorar sempre é possível, mas para isto deve haver equilíbrio entre as qualidades – no caso, determinação e técnica, mas nunca abandonando a sensibilidade e a criatividade.

No vôlei, alguns anos atrás se podia identificar o guerreiro na pessoa de Carlão, o lutador-mor da seleção de vôlei, que mesmo duramente ferido se doaria até a morte. Ele sempre carregou a imagem do guerreiro que buscava a vitória com a certeza de ser sua, mas que sabia que só com muita dedicação ela seria possível. Tirar tal aspecto “natural” de ser guerreiro de um atleta como ele seria como amputar uma de suas mãos.

Nas pessoas de Fernanda Venturini e de Willian podia-se identificar os “artistas” dentro das quadras de voleibol, aqueles a quem não se impõem limites de posição ou métodos, eles eram aqueles que consertavam o que parecia perdido ou criavam o que parecia impossível, aqueles que desenhavam sem enxergar e que esculpiam sem reclamar do material que recebiam. O maior perigo para este tipo de atleta-artista é esquecer ou desconhecer sua própria natureza e acabar tornando-se “sério” demais. Este é o caminho para a sua auto-restrição e conseqüente repressão à sua maior qualidade.

O equilíbrio é um meio que, se não identificado de maneira clara, pode trazer como conseqüência a distorção de uma carreira e um futuro, pelo menos muito mais difícil do que aquele que seria o mais natural.
1984 Olympic Games. Los Angeles. Men's 800 Metres Final. Brazil's Joaquim Cruz crosses the line to win the gold medal followed by Great Britain's Sebastian Coe for silver.
A técnica e o talento têm um peso preponderante, mas é comum observarmos como atletas de alto nível, como Pelé, Joaquim Cruz, Paula, Oscar, Hortência, Wlamir Marques, Rivellino, Zico, Falcão, Gustavo Borges, Guga, João do Pulo, João Derly e outros tinham suas práticas particulares, que só eles tinham e continuaram a crescer com o passar do tempo, em todos os níveis, cada um em seu estilo. Alguns atingiram seus finais de carreira normalmente, outros interromperam suas jornadas por motivos variados, mas o que fica é a presença de todos eles, num patamar de alto respeito por todos os que apreciam esportes.

Cultura esportiva – mudando paradigmas?

Todos os atletas citados foram adquirindo algo mais com o tempo, e este algo mais foi nada menos que aquisição de confiança, serenidade, visão e outras qualidades que refletem “equilíbrio”.
O equilíbrio em seus estilos pessoal sempre influenciou equipes.
Trazer este equilíbrio “pessoal” na vida de cada atleta é parte do desafio de uma equipe técnica. Quando isto é conseguido, os atletas-pessoas começam a traduzir este equilíbrio em suas performances, não apenas nos esportes, mas em suas vidas, suas famílias, e isto começa a ser transferido para seus fãs e admiradores.

A cultura esportiva pode ajudar a educar um povo, e pode ser um tremendo instrumento para mudar comportamentos, talvez o desafio maior em um país como o Brasil. Este é um desafio que somente aqueles que acreditam na superação de limites irão abraçar. Creio que o esporte pode ser um instrumento para transformar paradigmas.

O esporte envolve conceitos e muita, mas muita prática, mas é no seu contexto, mais que tudo, que podem abrir-se canais que possibilitem acessar novas dimensões comportamentais. O contexto determina o sucesso, que pode se revelar não só na vitória do campeão, mas na VITÓRIA daqueles que amam aquilo estão fazendo, e isto não pode ser resumido em termos de colocação ou resultados. A VITÓRIA, de fato, transcende resultados e classificações.


Trocando criatividade por tensão

O que acontece quando uma atenção muito grande é dada a alguma coisa?
Outros aspectos acabam sujeitos à desatenção. Facilmente há o crescer de “tensão” para se conseguir cumprir com o objetivo. Com “tensão” além dos limites saudáveis, há um desgaste de energia muito maior do que o que seria necessário.
Há a presença do temor, que amplifica a sensação do medo, o medo de falhar.

O temor é alimentado por um estado mental equivocado, em que a pressão tende a sufocar. Em estados assim, a pessoa tende a se sintonizar com preocupações e problemas, enquanto quando com um estado mental de leveza e amor ao que está fazendo, a tendência é de apreciação e coragem, que conduzem a lampejos de criatividade e de insights que transformam a pressão do momento em confiança no fazer o que tiver que ser feito da maneira mais prazeirosa possível.

Quando o temor é presença constante, com o tempo começa a surgir a ausência da alegria em se praticar o esporte, e começa a haver uma troca de valores que surge sutilmente no início e com o tempo vai se tornando hábito.
Isto é facilmente observável quando em vez da celebração e da alegria de um lance bem sucedido entre os companheiros da mesma equipe o que se vê é a confrontação com o adversário, como se querendo mostrar: “eu te venci”, “eu fui melhor que você”, esquecendo-se de apreciar aquele momento por ter feito o seu melhor, seja vencendo ou não.

Em outras palavras, a troca de valores se reflete na troca de alegria – em se ter acertado uma jogada, ou ter feito uma bela performance, pela energia da raiva, manifestada através do sentimento de ter “batido” o oponente.
Certamente este jogo de energias tem um efeito que vai muito acima do que se pode imaginar, podendo imprimir marcas na personalidade que podem ser difíceis de serem superadas.

Quando forçamos demais numa determinada direção, objetivando obter algo, pode tornar-se muito mais difícil e “duro” de se obter o resultado, e mesmo assim ele poderá ser limitado pela capacidade dos adversários.

O oposto do que deseja está sempre contido na caminhada rumo ao que é desejado. Chegar ao que se quer, e que constitui o objetivo, ou ao oposto de tudo que se busca são possibilidades que estão sempre presentes. Onde chegará tem a ver com o como chegar.

Temos que aprender a conhecer este oposto, saber que ele está ali, e que é muito mais fácil de ser atingido do que nossos objetivos. Caso não conduzamos nossas energias de maneira sábia e equilibrada, será mais fácil alcançar o oposto em vez daquilo que objetivávamos. Um primeiro passo é amar o que faz, então a distância entre esses ‘extremos’ passará a ser menos importante, só então, o espírito prevalecerá e a ilusão do resultado não alimentará egos e ilusões que, com o tempo, passam a trazer prejuízos à vida da pessoa e daqueles que com ele convivem.

Capacidade aliada à força, sabedoria aliada ao conhecimento, criatividade aliada à técnica, sensibilidade aliada aos objetivos conduzem a bons resultados – na vida da pessoa, mesmo que isso não se reflita nos resultados dos placares.

Na área de detalhes, muito sutis por sinal, é que entra a importância de um trabalho paralelo que vise dar condições não só de o atleta atingir o ápice em termos físicos e técnicos, mas também um trabalho com o ser humano, no nível mental.

Espectro de um treinador

Um dos papéis de um bom treinador é o de identificar quem é quem no grupo. Saber conduzir o desenvolvimento de cada componente de grupo, seja dos atletas, ou mesmo de um atleta, dos auxiliares que com ele trabalha, é um requisito fundamental para um bom treinador. Identificar e inspirar o uso daquela que é a qualidade principal de cada atleta é a chave do sucesso. A identificação e, na sequência, o aprimoramento da qualidade principal de cada atleta representa acionar a locomotiva que vai puxar todos os vagões do trem que representam as outras qualidades, componentes fundamentais do atleta ideal, ou em outras palavras, o atleta integral.
Orientar, ensinar, motivar, corrigir, incentivar, criticar e apresentar ao atleta todos estes componentes formam o espectro de atividades do treinador que busca o ideal para o grupo.
Simplificar o que é complicado é tarefa do treinador, mas o que vemos muitas vezes é o oposto, com treinadores complicando o que deveria ser simples.

Texto de Herbert Santos Silva
site http://gbsitesbsb.com.br/intuicao