O minilivro ‘O Homem Ecumênico’ propõe uma travessia interior, onde cocriar o futuro é possível, e onde a espiritualidade se manifesta nas atitudes mais simples. Confira!
(tempo médio de leitura- 25 min)
Série OUVINDO AS ESTRELAS

Minilivro 6
O HOMEM ECUMÊNICO
Introdução
Em O Homem Ecumênico, o leitor é convidado a caminhar ao lado de Ferhélin e do Homem Ecumênico — um estudioso da religiosidade que não busca convencer, mas inspirar.
A cada conversa, emerge uma visão de mundo onde o “ser” é mais importante que o “estar”, onde a disciplina se transforma em ritmo, e onde cocriar o futuro é uma escolha diária, feita com o coração.
Neste minilivro não há doutrinas, nem verdades absolutas. Há perguntas sinceras, diálogos vivos e uma espiritualidade que se manifesta na prática do amor, do respeito e da presença.
Este minilivro é mais que um relato de encontros e paisagens — é uma travessia interior.
Ferhélin, em sua jornada pelas Montanhas Rochosas, não apenas contempla lagos de azul profundo e trilhas silenciosas. Ela encontra pessoas, ideias e sentimentos que a conduzem a uma descoberta essencial: a espiritualidade não mora nas teorias, mas na prática do amor, do respeito e da presença.
Não há fórmulas prontas aqui. Há reflexões vivas, diálogos sinceros e uma busca autêntica por sentido. Ao final da leitura, talvez o leitor não encontre respostas definitivas — mas encontrará algo mais valioso: o convite para simplesmente ser, apenas ser.
Este minilivro é um convite: desacelere, respire, leia com o coração!
Capítulos de ‘O Homem Ecumênico’
- Propósitos
- Altos e Baixos
- Cocriando o Futuro
- A Verdadeira Espiritualidade Transcende Teorias
- Elos de Esperança
- A Disciplina no Ritmo
- A Palavra, o Verbo e a Vida
- Um Mundo de Possibilidades
- O Ioiô Humano
- Ser, Apenas Ser

Propósitos

Ferhélin hospedava-se em uma pousada nas montanhas entre Banff e Jasper, no coração das Rochosas canadenses. Naquele dia, encontrava-se diante de um dos lagos mais belos que já vira — o lago Moraine, de um azul profundo e quase irreal. Sentada sobre uma das grandes pedras que margeavam a trilha até o topo da colina, ela permanecia em silêncio, extasiada com a paisagem que se desdobrava diante de seus olhos.
O tempo parecia suspenso. O vento fresco acariciava seu rosto, e o sol, tímido, espreitava por entre nuvens dispersas. Foi então que um senhor se aproximou. Sua presença serena e imponente fez Ferhélin lembrar-se de Nelson Mandela. Era um homem negro, de cabelos grisalhos, talvez em seus sessenta e poucos anos, com um olhar que transmitia sabedoria e paz.
Mais um encontro se anunciava em sua jornada.
Aquele senhor, como ela viria a saber, era um estudioso da religiosidade — um canadense residente em Toronto, dedicado à promoção da harmonia entre as religiões.
— Você é brasileira? — perguntou ele, com um sorriso gentil.
— Sim. Como descobriu?
— Vi seu agasalho com as cores da Seleção Brasileira. Acertei?
— É do Brasil, sim, mas não é do futebol — respondeu Ferhélin, sorrindo.
— Já estive no Brasil algumas vezes. A primeira foi em 1992. Veja só… tantos anos se passaram — disse ele, contemplando o lago.
Após um breve bate-papo, desceram juntos a colina e sentaram-se em uma pedra à beira do lago. O cenário era de uma beleza comovente, e o momento parecia anunciar algo maior — uma conversa que tocaria o espírito.
Altos e Baixos

— O que o levou ao Rio? — indagou ela.
— Fui participar do Fórum Mundial pela Ecologia, a Eco 92. do fórum inter-religioso durante a Eco 92. Participei como delegado canadense do fórum inter-religioso durante a Eco 92 — respondeu ele.
— Era um encontro extraoficial, mas profundamente significativo. Reuniu líderes de diversas tradições espirituais, como o Dalai Lama e outros representantes do pensamento universalista.
— E atualmente, o que você faz? — perguntou ela.
— No momento, passeio pelas Rochosas — disse ele, sorrindo com leveza. — Na verdade, venho aqui para respirar, para me fortalecer por dentro. É uma forma de me preparar para cumprir meu papel no mundo com mais clareza. Poderia dizer que estudo o ser humano e me dedico a compreender os pontos de convergência entre as religiões. É um trabalho que acredita no bem como ponte entre as diferentes formas de fé. Entre outras coisas, estudo os altos e baixos que todos nós enfrentamos, buscando sempre destacar o ‘bem’ como fio condutor da vida.
Altos e baixos, quem não os têm? Pensou Ferhélin, antes de arriscar uma pergunta:
— Há pessoas que parecem não ter altos e baixos em suas vidas. Você acha isso possível?
— Isso faz parte da história de cada um — respondeu ele, com serenidade. — O que realmente importa é como lidamos com nossos altos e baixos, e como emergimos deles. Você usou a palavra ‘parecem’ — e isso está diretamente ligado aos meus estudos, que se baseiam em perspectivas.
— Interessante… — disse ela, refletindo sobre o que acabara de ouvir.
— Todos que habitam este planeta enfrentam suas provas, carregam virtudes e também fragilidades. Alguns conseguem aplicar seus valores e princípios de forma mais prática no cotidiano. Isso lhes dá um foco mais claro, uma espécie de bússola interior. Quando são testados pela vida, estão mais preparados — e por isso, muitas vezes, superam os desafios com maior rapidez e equilíbrio.
Ele fez uma pausa, observando o lago com olhar contemplativo.
— Tenho percebido que há diferenças significativas na forma como as pessoas enfrentam e superam situações difíceis. Seus métodos, crenças e estilos de vida influenciam essas atitudes. Há também quem aprenda a não expor seus altos e baixos — mas isso não significa que sejam desonestos. Apenas desenvolveram outra forma de lidar com a dor.
Ferhélin, tocada pela profundidade daquele diálogo, passou a chamá-lo, em seu íntimo, de o Homem Ecumênico.
Cocriando o futuro

Ferhélin o olhou com leve surpresa, aguardando o que ele diria.
— Encontrei muitas pessoas que acreditam que a melhor forma de transformar o mundo é inspirando os outros — sendo um exemplo vivo. Elas dizem que há gente demais falando sobre problemas e dificuldades, e por isso escolhem outro caminho: o de preparar o terreno para um mundo que ainda não existe. Acreditam que esse mundo do futuro precisa começar a nascer agora, e que alguém deve trabalhar por ele desde já.
Fez uma pausa, depois continuou:
— Por outro lado, há pessoas que buscam “estar” em posições consideradas importantes, mas mostram “ser” de um jeito e “agem” de outro.
— De um lado, os espiritualistas. Do outro, os políticos — comentou Ferhélin.
Ele sorriu com gentileza.
— Claro que nem todos os espiritualistas são iguais, e nem todos os políticos deixam de ser transparentes.
Ferhélin o observou com atenção.
— E você? Como se posiciona diante desses cenários?
Ele refletiu por um instante antes de responder:
— Penso assim: se você não concorda com o rumo que o mundo está tomando, pode ajudar a mudá-lo por pelo menos dois caminhos. O primeiro é tentar interferir e transformar, dentro das suas possibilidades, o que já existe. Se conseguir manter sua vitalidade nesse processo, ótimo.
— E o segundo? — perguntou ela.
— O segundo caminho é para aqueles que enxergam tantas falhas no mundo que acabam desanimando, sentindo-se impotentes, sem ver saída. A essas pessoas, eu diria: não olhem apenas para os problemas, nem fiquem presos a argumentos sobre o que está errado. Levantem a cabeça e juntem-se ao grupo dos que estão criando algo novo. Em vez de lamentar o que existe, comecem a imaginar e construir novos conceitos de vida.
Ele olhou para o horizonte e disse com firmeza:
— Eu me vejo entre os que seguem esse segundo caminho. Não trabalho para sustentar o que está aí, que considero em decadência. Estou, sim, empenhado em cocriar o futuro.
Ferhélin sentiu um arrepio leve. As palavras dele pareciam tocar algo profundo dentro dela.
— Fazer algo para mudar o mundo é vital. Não podemos esperar por soluções prontas — precisamos participar da criação delas. Essa é a postura de quem deseja contribuir para um mundo melhor: assumir sua parte na responsabilidade de cocriar um novo padrão para o planeta.
Ele concluiu com serenidade:
— Em qualquer dos caminhos, o importante é deixar de ser apenas observador ou crítico. É tornar-se parte ativa da transformação. Cocriar o futuro é um chamado para todos nós.
A verdadeira espiritualidade transcende teorias

— Voltando à questão dos altos e baixos… há momentos em que parece não haver saída. E há outros em que perdemos a esperança, sentindo-nos impotentes e desanimados. Você não vê assim? — perguntou Ferhélin.
— Em graus e momentos diferentes, isso acontece com a maioria da humanidade. Poucos nunca desanimaram em algum momento — respondeu o Homem Ecumênico.
Enquanto conversavam à beira do lago, a brisa suave brincava com as águas cristalinas daquele que é, talvez, um dos lagos mais belos do planeta.
— Mas há algo nos seres humanos que os impulsiona a buscar saídas — continuou ele. — Há escolhas a cada instante, mesmo quando feitas sob o peso do desânimo. O que tenho observado é que a espiritualidade transcende essas escolhas. O ser humano é, em essência, um ser espiritual. Pode até ignorar essa realidade, mas ela está lá — inerente, viva. E não depende de ser religioso. Espiritualidade tem a ver com a expressão dos valores e das qualidades genuínas que habitam em cada um de nós.
Fez uma pausa, depois concluiu:
— Espiritualidade é prática. Não vive de teorias. As teorias pertencem aos dogmas, às doutrinas. A espiritualidade, por sua vez, é vida, é expressão, é manifestação de virtudes.
Eles se levantaram e começaram a caminhar por uma trilha que os conduzia a uma região repleta de árvores e plantas.
— E quanto às crenças? Como você as vê? — indagou Ferhélin.
— O poder das preces e das meditações é real. Elas criam elos de esperança e fé que se espalham pelo planeta. Trazem luz e inspiram um mundo melhor. Por isso, penso que atacar a fé ou a crença de alguém é uma forma de violência. Não há nada mais devastador do que a ausência de esperança. E a fé, de algum modo, a alimenta.
Ele olhou para o chão coberto de folhas e continuou:
— Muitos atacam a fé alheia por insegurança própria. Isso revela uma falta de respeito pelo processo de busca pessoal do outro — processo que faz parte do amadurecimento de cada ser. Atacar a crença de alguém é uma manifestação grosseira do ego.
A espiritualidade, quando colocada em ação, agrega, inspira e convida à prática de valores — sem comparações, sem ataques.
Não acredito que destruir a crença das outras pessoas, por não compartilhar das mesmas, seja uma escolha sábia.
Ferhélin ouvia em silêncio, absorvendo cada palavra.
— O momento que vivemos neste planeta não é para comparações, nem para ressaltar divergências ou acusar erros do passado. Se alguém deseja manifestar sua espiritualidade hoje, deve inspirar os outros a se tornarem melhores, a aceitarem as diferenças e a fortalecerem os elos que conduzem à esperança. Essas atitudes podem transformar o respeito em uma energia equilibradora para o mundo.
— E como você imagina isso acontecendo? — perguntou Ferhélin.
— Com uma atitude mental de respeito. Isso geraria uma mudança natural na postura dos líderes em todas as áreas, inspirando tolerância, dinamismo e a prática de valores positivos. Poderia despertar os desanimados e redirecionar o foco daqueles que estão na inércia. É um processo vitalizante, entende?
Ele parou por um instante e olhou nos olhos de Ferhélin.
— O que é o desânimo, senão a ausência de ânimo? De alma? De vida? Quando estamos desanimados, estamos desacordados para a existência. Precisamos de algo que nos reanime.
Depois, acrescentou:
— Veja o caso do Tibete. Mesmo diante da invasão e da perseguição religiosa, observe a postura do Dalai Lama. Ele teria razões de sobra para estar infeliz, para reclamar. Mas não o faz. Sua atitude é de serenidade, de compaixão. Isso é espiritualidade em prática. Ninguém deveria temer exaltar o bem.
Fez uma pausa mais longa, como se deixasse que o silêncio completasse o pensamento.
— Muitos temem a “concorrência” religiosa. Isso revela ausência de espiritualidade e de compreensão da diversidade. Esse tipo de mentalidade inspira o medo — e o medo não faz bem a ninguém. Onde há temor, falta amor. E o amor é uma qualidade original, genuína, profundamente espiritual em todas as suas formas. Sem amor, nenhuma solução será duradoura.
Elos de Esperança

O Homem Ecumênico falava com entusiasmo. Acreditava que suas palavras poderiam se concretizar — não por meio de teorias complexas, mas através de práticas simples e essenciais.
O tempo passava, e eles seguiam o passeio, desfrutando da paisagem e da troca de ideias.
— Onde você está hospedada? — perguntou ele.
— Em uma pousada aqui perto — respondeu Ferhélin.
— Gostaria de jantar comigo? Estou no hotel próximo ao lago. Depois posso levá-la até sua pousada.
— Sim, está bem — concordou ela, com um sorriso tranquilo.
À mesa do restaurante, a conversa continuou com leveza e curiosidade. Ele perguntou sobre o Brasil, demonstrando interesse pela política de saúde do país, especialmente pelo sistema de atendimento gratuito disponível a todos — o SUS.
Lembrou-se de um refrigerante brasileiro que apreciava muito, mas que só encontrava no Brasil: o guaraná.
Falaram com entusiasmo sobre o SUS — Sistema Único de Saúde — e sobre o guaraná. Ferhélin comentou que não compreendia por que o refrigerante não era conhecido mundialmente. Em tempos de globalização, parecia estranho que apenas produtos de países do chamado primeiro mundo tivessem acesso facilitado aos mercados internacionais.
Ela também mencionou o pão de queijo, dizendo que não entendia por que ele só existia no Brasil, apesar de seu sabor único e acolhedor.
O Homem Ecumênico sorriu.
— Essa área não é minha especialidade — disse ele — mas adoraria experimentar mais coisas boas produzidas pelos países do chamado terceiro mundo.
Ferhélin, por um instante, lembrou-se do sonho que tivera em Banff. Veio-lhe à mente a sensação de que o verdadeiro “ser” não inclui a pretensão de “estar” na posição de julgar os outros. Essa percepção estava alinhada com a visão de um mundo harmonioso, onde diferentes crenças convivem pacificamente — como o Homem Ecumênico acreditava ser possível.
Refletindo sobre o hábito de julgar e eleger culpados, ela perguntou:
— Como você entende a disciplina?
A disciplina no ritmo

— Entendo que a jornada da vida, neste planeta, passa por certos limites e definições criados pelos próprios seres humanos — e que devem ser respeitados. Por enquanto, a disciplina ainda é um processo de aprendizagem. Mas acredito que, em um mundo harmonioso, ela se tornará um atributo natural. O que temos de mais próximo disso, hoje, é o que chamamos de ritmo.
Fez uma pausa breve, depois continuou:
— No futuro, a lei natural poderá ser a harmonia. Mas ainda estamos a caminho. Para que isso se manifeste na prática, será necessária a ascensão da humanidade como um todo. Quando isso acontecer, a espiritualidade será a lei natural dos seres. E nem mesmo a lembrança de Deus, de anjos ou de seres iluminados será necessária — porque a consciência de Deus estará sempre presente. O ser humano expressará sua verdadeira identidade e será, naturalmente, um ser iluminado.
Sem hesitar, ele prosseguiu:
— A disciplina é a expressão do ritmo — e esse ritmo, quando em harmonia com tudo o mais, revela adaptação, flexibilidade, beleza, naturalidade. E também respeito, felicidade, admiração e amor. Nesse nível de harmonia, torna-se natural a ausência do medo, da arrogância, da agressividade e de outros hábitos que não fazem bem.
Ferhélin o observava com respeito e admiração. Mas não se sentiria confortável se não expressasse o que estava pensando:
— Parece um sonho… um mundo idealizado. Isso não é utópico?
Ele a fitou com serenidade, sem surpresa alguma diante da pergunta.
— Hoje, neste planeta, isso realmente parece uma utopia. A distância entre o ideal e o que a humanidade criou parece uma eternidade. Mas essa é a caminhada. Saber que é possível escolher esse caminho já é algo que transforma a vida de quem se propõe a segui-lo.
— E como você enxerga isso acontecendo? — perguntou Ferhélin.
— Acredito que o foco não deve estar no final perfeito, que parece tão distante. O foco deveria ser: fazer o nosso melhor a cada dia, simplesmente trilhando nossa jornada de vida. Cada um buscando fazer o seu melhor — a cada passo, a cada gesto — e não apenas por si, mas com uma visão voltada ao coletivo.
Ele olhou para o horizonte e concluiu:
— Não importa se estamos a um, a dez ou a um milhão de passos do ideal. O que importa é sentirmos que estamos fazendo o nosso melhor e, de alguma forma, inspirando outros a se sentirem melhor. Porque quando as pessoas se sentem melhores, elas ajudam a melhorar o mundo.
Um propósito elevado e ajudas inesperadas

Ferhélin estava pensativa enquanto o escutava, observando a luz que brilhava naquele olhar idealista que a fitava com serenidade.
— Seus pratos estão prontos — avisou o garçom.
Comeram em silêncio, saboreando não apenas a refeição, mas também a paisagem ao redor. O lago, agora banhado pela luz da lua e pelos reflexos das luminárias, revelava uma nova face. A noite havia chegado, e com ela, uma atmosfera de contemplação.
Ferhélin recordava a mensagem do sonho que tivera: tudo começa com o “ser” — apenas ser — sem permitir que as condições do “estar” interfiram na jornada.
Em sua mente, voavam pensamentos como folhas ao vento. Ela compreendia que não adiantava valorizar as condições externas do mundo, por mais favoráveis que fossem, se estivermos desconectados das qualidades interiores — das virtudes, dos talentos, da essência.
“A experiência de ser é o começo de tudo; é ela que define como percorremos a nossa jornada”, pensou Ferhélin.
Enquanto observava uma flor próxima à janela, sentiu o sentimento “eu sou” visitar sua consciência. Imaginava aquela flor simplesmente sendo — sem questionamentos, sem comparações, apenas existindo. Ela não se perguntava por que estava ali, naquele jardim, e não em outro lugar — no Brasil, na Europa, ou onde quer que fosse.
Esses pensamentos fluíam com naturalidade, até que o silêncio se desfez.
— Acreditar na vida, acreditar em si mesmo e nunca duvidar que ela está a seu favor — disse o Homem Ecumênico. — Esse é um pensamento que costuma surgir quando observamos a vida de pessoas iluminadas. E muitas dessas pessoas que cruzaram meu caminho eram completas desconhecidas. Ainda assim, deixaram marcas profundas.
Ele fez uma pausa breve, depois continuou:
— Tenho percebido algo valioso: um propósito elevado atrai companhias elevadas. E ajudas começam a surgir de formas inesperadas — desde pessoas comuns e desconhecidas até de Deus e de seus ajudantes sutis. Eu creio nisso.
Ferhélin sentia que seu coração compreendia aquelas palavras. Algumas questões que ela sempre mantivera quietas começavam a emergir. Não eram dúvidas de fé, mas questionamentos humanos, legítimos e profundos.
Ela não queria confundir teorias, filosofias ou “ismos” — por mais sagrados que fossem — com sua busca pessoal de ser, verdadeira e completamente.
Não era mais uma questão de entender. Era uma questão de ser.
A palavra, o verbo e a vida
Foi então que Ferhélin perguntou, com sinceridade:
— Como, mesmo com Deus ao nosso lado e com as ajudas que a vida oferece, ainda assim cometemos erros e fazemos escolhas equivocadas, repetidamente?

O Homem Ecumênico percebeu a profundidade espiritual daquela pergunta. Sentiu que, naquele instante, Ferhélin não buscava definições ou teorias — ela buscava a energia da verdade.
Compreendendo isso, respondeu:
— Por mais que desejemos, a palavra ainda é o meio que usamos para nos comunicar. Mas ela não consegue conter tudo o que sentimos, vivemos ou queremos expressar. Não da forma como a usamos hoje. Ainda assim, há algo que vejo com clareza vindo de Deus — e de qualquer ser que esteja em um nível espiritual mais elevado: o respeito à lei básica que rege este planeta — a liberdade de escolha.
Fez uma pausa breve, depois continuou:
— O livre-arbítrio é uma dádiva que precisa ser mais bem compreendida. Somos nós que escolhemos o que fazer. Deus não quebra essa lei. Ele não interfere na nossa liberdade de decidir.
Ferhélin refletiu por um momento e perguntou:
— Mas como não ser afetado pelas negatividades que se espalham pelo planeta?
— Se tudo é questão de escolha, podemos escolher o amor em nossas decisões — independentemente do que aconteça em nossas vidas. E isso, de certa forma, é escolher Deus. Mas essa escolha precisa ser feita com o coração. E há um ponto essencial: essa escolha não combina com esperar, de braços cruzados, por ajuda que venha “de cima”.
Ele concluiu com firmeza:
— Existem formas reais de transcender o campo de ação das negatividades. Uma delas é a cocriação por meio de ações positivas. Outra é a ascensão da consciência. Ambas estão conectadas. Quando elevamos nossa consciência, não apenas deixamos de ser afetados pelas negatividades — podemos influenciar para que elas não se manifestem, ao menos nos ambientes em que estivermos.
Ferhélin então perguntou:
— Quando você diz “escolher Deus”, como podemos traduzir isso no dia a dia, nas ações comuns?
— Muitas vezes, ao pensar em ter a companhia de Deus, tentamos trazê-Lo ao nosso nível. Mas por que não nos prepararmos para ascender ao Dele?
Ele sorriu com leveza.
— Parece pretensão? Talvez. Mas essa é a análise do ego humano. O que imagino que Deus espera de nós é mais simples — e independe da fé ou da linha religiosa de cada um. Acredito que Ele espera que façamos nossa parte e deixemos o amor prevalecer em nossas vidas.
Fez uma pausa, depois concluiu:
— É por meio da postura do amor que podemos nos aproximar de Deus. A linguagem do amor é o instrumento mais viável que temos para isso. E o ser humano tem todas as possibilidades de cultivar essa postura em sua vida.
Ele olhou nos olhos de Ferhélin, com ternura.
— O que você acha?
Ferhélin sentia o amor fluindo por aquelas palavras. E, mais do que entender, ela começava a sentir.
Um mundo de possibilidades

Ferhélin sorriu diante da visão que se descortinava: um mundo repleto de possibilidades. Lembrou-se da perspectiva quântica — sua especialidade — e imaginou como o amor poderia ser a força propulsora dessa ascensão espiritual.
Após alguns instantes de silêncio, recordando como costumava agir em momentos de confusão ao seu redor, disse:
— Penso que, diante de uma dificuldade, o meio mais simples de não ser influenciado por ela é sair do seu campo de ação.
O Homem Ecumênico assentiu e acrescentou:
— O importante é não confundir isso com fuga ou negação do problema. O que quero dizer é que é possível elevar a consciência para além do campo de influência das negatividades.
Fez uma pausa breve, depois continuou:
— Manter a consciência fora do alcance da negatividade é uma coisa. Ascender o nível de consciência é outra — e também é possível. Um dos caminhos para essa elevação é promover o bem. Outro é permitir que bons sentimentos fluam de nós. E há ainda a aproximação com Deus, que pode se dar por meio de orações, meditação ou contemplação — desde que feitas com sentimentos verdadeiros e fé.
— Os meios são distintos, assim como os resultados — disse ele. — Na prática, o impacto de cada caminho vai depender do nível de envolvimento e da autenticidade dos sentimentos presentes. Mas todos, quando sintonizados com o bem, trazem benefícios em algum nível.
Ferhélin ouvia com atenção, absorvendo cada palavra.
— Esses meios são como elos — continuou ele. — Um conduz ao outro. Há interconexão, há fluxo dinâmico de boas energias. Podemos entender isso como bons sentimentos que nos inspiram a boas ações. A lembrança de Deus, assim como as práticas voltadas ao bem, nos tornam mais conscientes.
— Quanto mais consciente você estiver, mais bons sentimentos irá experimentar — e mais eficaz será sua ação, seja ela espiritual ou prática.
Ele olhou para o céu, depois voltou-se para Ferhélin.
— Há muitas formas de se relacionar com Deus. Lembrar e apenas adorar é um nível. Fazer orações é outro. Elas podem ser preces tradicionais, conforme a linha religiosa, ou orações intuídas, criadas pela própria pessoa. Pedir algo a Deus é mais um nível — envolve uma forma básica de diálogo. E há outros níveis ainda mais profundos.
— O essencial — disse ele — é que os sentimentos verdadeiros estejam presentes. Independentemente da prática espiritual ou da tradição religiosa, o que importa é a elevação da consciência.
Ferhélin refletia, tocada pela clareza das ideias.
— Elevar nosso padrão de pensamentos e sentimentos, buscando sintonia com níveis mais elevados, nos permite expandir nossa consciência. Mas, no fundo, são os sentimentos que vivenciamos que fazem a diferença. Quanto mais mantivermos bons sentimentos estáveis em nossas mentes e corações, mais fácil será manter essa sintonia elevada.
Ela pensou: Se nossos pensamentos estão em um nível energético baixo, em sintonia com padrões vibratórios densos, e queremos sair dessa condição… faz sentido.
— Ascender de nível… interessante — disse ela.
O Homem Ecumênico sorriu e completou:
— Algumas vezes, não conseguimos fazer isso sem colocar a mão na massa. O que quero dizer é que fazer o bem — ajudar quem precisa, socorrer os necessitados, os doentes, os refugiados, os sem-teto, as crianças abandonadas, os que passam fome, os que perderam a esperança — tudo isso é parte da realidade do nosso planeta. E quando vivenciamos o amor, nasce em nós o desejo de agir.
Fez uma pausa, depois concluiu com ternura:
— Ao estendermos nossas mãos para ajudar, é como se recebêssemos uma ajuda extra de Deus. E, sem perceber, estaremos muito mais próximos Dele do que imaginamos.
Ferhélin sentia que entre eles havia se estabelecido uma conexão que transcendia as palavras. O silêncio se fez por alguns minutos.
Então, ele disse:
— Entre sentar-se para meditar, experimentando luz em sua mente e dando vida a bons sentimentos, ou se entregar a pensamentos inúteis, negativos ou desnecessários… a escolha tem um só autor: você.
O Ioiô humano
— De algum modo, fazemos isso sempre — disse Ferhélin. — Em nossos altos e baixos, nos permitimos afundar, às vezes até bem fundo… para então, de lá, emergirmos novamente.

O Homem Ecumênico refletiu:
— É interessante. Independentemente de crenças, filosofias, dogmas ou tradições religiosas, há algo em cada pessoa que a impulsiona a sair do “fundo” e subir. É como se estivesse gravado na alma, na consciência de cada ser.
Fez uma pausa, depois continuou:
— O perigo está no jogo da autossabotagem — quando a pessoa “brinca” de ser um ioiô humano. Os altos e baixos constantes causam um desgaste profundo e corroem a autoestima. Essa instabilidade, seja qual for a fé ou o nível de formação da pessoa, gera insegurança e desconfigura as referências mais poderosas que ela acredita ter.
— Por isso, quando estamos “na pior”, nada parece bom, ninguém parece confiável. Duvidamos de tudo, de todos… e da própria vida — comentou Ferhélin.
— Quando se entra nesse ciclo, há um processo que coloca a pessoa em sintonia com a negação da vida. Ela se afasta do viver e de tudo que tem vitalidade. Pode-se escolher desde o engajamento extremo, como o estilo workaholic, até o oposto — o desânimo total. Ambos são extremos de um mesmo rio, nascidos da mesma raiz: a negação da vida — disse o Homem Ecumênico.
— Mesmo o engajamento total ao trabalho? — indagou Ferhélin.
— Ao concentrar-se exclusivamente em algo, você se afasta do resto. Focalizando toda sua atenção no trabalho, corre o risco de ignorar a multiplicidade de universos que compõem a vida — respondeu ele.
— E quando a pessoa percebe que essa forma de viver não traz benefícios? O que fazer? — perguntou Ferhélin.
— Não há fórmulas. Mas penso que a dica mais simples é: seja você. Divirta-se sendo. Quando você é verdadeiramente você, parece que um escudo invisível a protege, impedindo que seja contaminada pelas influências externas.
Ele olhou para o céu, depois voltou-se para ela:
— Há uma tendência de buscar soluções simplistas, fórmulas prontas. Mas nenhum livro, nenhuma imagem, nenhuma teoria conterá tudo, enquanto você não for honesta consigo mesma. Por mais sagrado que seja um texto, por mais respeitável sua origem, o conhecimento por si só não transforma. A transformação começa quando somos verdadeiros com nossos sentimentos — mais do que com nossos pensamentos.
Ferhélin ouvia em silêncio, tocada pela profundidade das palavras.
— Quando conseguimos nos experimentar sendo nós mesmos — sem medos, sem preconceitos, sem fantasias ou confusões, independentemente dos papéis que desempenhamos — percebemos que até os pequenos fragmentos do viver parecem conter tudo. E há uma satisfação maior com a vida.
Ele continuou:
— Imagine por um momento: você sendo você mesma, deixando seus sentimentos falarem por você — com emoção, felicidade, amor, beleza, honestidade e transparência. Sem depender das circunstâncias externas, das crenças ou das tradições religiosas com as quais mais se identifica. Quando somos, verdadeiramente, a espiritualidade se torna viva em nossas atitudes. E com certeza haverá olhares sinceros, bons sentimentos, respeito, empatia — seja em momentos de silêncio ou de fala, de ação ou de contemplação.
Fez uma pausa mais longa, depois concluiu:
— Mas “ser” não é apenas um ato. É mais que um estado. Apesar de ter refletido muito sobre isso, não me sinto em condições de definir o que significa “ser”. O que posso dizer é que sinto que “ser” tem mais a ver com sentir do que com pensar. Mais com expressar nossos sentimentos do que com intelectualizar.
Ferhélin pensou: Talvez porque não haja fim, nem limites, em ser.
Mais um dia havia se passado, entre as Montanhas Rochosas e seus lagos incrivelmente azuis. Os pássaros cruzavam os céus e as nuvens, e uma energia especial pairava no ar.
No dia seguinte, seguiriam viagem — mas para destinos diferentes.
Após o jantar, ele a levou até sua pousada. Despediram-se com um olhar silencioso e profundo, seguido de um abraço afetuoso — daqueles que não precisam de palavras, mas que dizem tudo. Em seguida, ele se afastou com serenidade, dirigindo-se ao hotel onde estava hospedado.
Ser, apenas ser!

Antes de adormecer, com seu caderno de notas entre as mãos, Ferhélin sentou-se em silêncio no quarto da pousada. A noite envolvia as Montanhas Rochosas com sua quietude sagrada, e ela permanecia ali, contemplando as conversas que tivera ao longo do dia — diálogos que pareciam ter tocado algo profundo em sua alma.
Seus pensamentos viajavam pelas ideias do Homem Ecumênico: a espiritualidade viva, a disciplina como ritmo, a cocriação do futuro, o respeito como energia equilibradora, o amor como linguagem universal. Tudo isso fluía em sua mente como um rio sereno, conduzindo-a a uma compreensão mais íntima da vida.
Ela se lembrava da flor que apenas “era”, sem questionar seu lugar no mundo. Lembrava-se do abraço afetuoso na despedida, da luz nos olhos daquele homem que falava com fé no ser humano. Lembrava-se da frase que ecoava como um mantra: “Escolher o amor é escolher Deus.”
Com sentimentos de serenidade e alegria íntima, Ferhélin sentia que a vida lhe sorria naquela jornada pelas Rochosas Canadenses. Não era apenas uma viagem externa — era uma travessia interior. Um reencontro com sua essência.
Ela compreendia, agora, que não era preciso entender tudo. Bastava sentir. Bastava ser.
Em breve, novos cenários se apresentariam. Mas ela sabia que, onde quer que estivesse, o verdadeiro caminho começava dentro dela — no simples e profundo gesto de ser, apenas ser.

Minilivro 6 da série ‘OUVINDO AS ESTRELAS’
Autor: H. S. Silva
Site https://www.intuicao.com
Imagem do post: Banco de dados Pixabay

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A MENINA MESTRA

Série: ‘Ouvindo as Estrelas‘
Autor: H. S.Silva
Edição original – 2004
Edição Atualizada – 2025

Sobre a Série Ouvindo as Estrelas
A série Ouvindo as Estrelas convida o leitor a acompanhar Ferhélin, uma jovem cientista em busca de sentido além das fórmulas e teorias. Em sua jornada pelas terras canadenses — especialmente entre os cenários majestosos das Montanhas Rochosas — ela vive encontros sutis e transformadores que a conduzem a uma nova forma de ver o mundo.
Cada minilivro é uma travessia entre paisagens externas e descobertas internas. A magia da natureza se entrelaça com reflexões profundas, revelações inesperadas e aprendizados que transcendem a lógica, tocando o espírito.
Ao longo da série, Ferhélin aprende a ouvir o que não se diz, a perceber o invisível e a integrar ciência e espiritualidade com leveza e sabedoria. Essas experiências, compartilhadas com o leitor em linguagem acessível e poética, revelam que há estrelas que só se escutam com o coração atento.
Minilivros ‘OUVINDO AS ESTRELAS‘.
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Imagem do post (exceto as dos livros): Banco de dados Pixabay
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